A pandemia do coronavírus e o isolamento social que ela provocou, obrigando as pessoas a ficarem em casa, algumas trabalhando e outras não, gerou três consequências já divulgadas e debatidas. Uma foi a queda significativa da demanda agregada interna (consumo das pessoas, consumo do governo, investimento das empresas, investimento do governo). A queda na demanda foi distribuída desigualmente. As vendas de bens não duráveis de consumo (alimentos, medicamentos, vestuário etc.) caíram, mas em porcentuais relativamente menos elevados. Já as vendas de bens duráveis de consumo (eletrodomésticos, automóveis, computadores etc.) caíram bem mais, chegando a atingir 80% no mês de março em alguns segmentos. Os serviços foram os que mais sofreram, sobretudo os serviços pessoais (barbearia, salão de beleza, clínicas de psicologia, fisioterapia, odontologia etc.), assim como também houve queda nos serviços empresariais como aviação civil, turismo e hotelaria. A segunda consequência foi a expressiva redução no Produto Interno Bruto (PIB), que deve ficar em torno de 5% menor que o PIB de 2019, no caso brasileiro, configurando forte recessão já constatada.
A terceira consequência, derivada das duas anteriores, foi jogar para baixo a renda das pessoas e as receitas das empresas, provocando uma onda de desequilíbrio financeiro, inadimplência de pessoas físicas e jurídicas, déficit de caixa e, em muitos casos, insolvência total. Diante desse cenário, há quem argumente que as empresas sofreram mais por falta de capital de giro próprio do que pela duração do isolamento social.
Em texto recente, o analista empresarial Stephen Kanitz afirmou que “não foi o vírus que parou o mundo. Não foi um súbito colapso da demanda, nem a falta de estímulos corretos. Da ótica da administração, não se justifica todo esse desastre só porque as empresas pararam de produzir por somente 45 dias (...) tampouco se justificam todos esses pacotes trilionários de estímulos, quando no fundo tiramos talvez 45 dias de férias em 70% da economia. Os bois estão engordando, e a soja está crescendo. Afinal, muitas empresas param anualmente por 30 dias dando férias coletivas e nada acontece (...) o que realmente ocorreu é que colocaram o rei a nu, algo que venho alertando há anos. Todo esse desastre foi deflagrado pela crônica falta de capital de giro próprio, desde o capital de giro das famílias até o capital de giro das empresas”.
Maior propensão à poupança pessoal, menos propensão ao consumo e uma cultura empresarial que levasse as empresas a terem mais capital de giro e mais reservas para contingências são hábitos culturais favoráveis
O alerta de Kanitz direcionado às famílias, dizendo que devem se preocupar em formar reservas para emergências, como doença ou desemprego, é correto e necessário, sobretudo para quem é assalariado, pois a possibilidade de perder o emprego no mundo moderno é sempre alta. O estrago que o coronavírus fez no mundo do trabalho assalariado é monstruoso. Embora uma crise como essa não seja rotineira nem tenha precedentes, o desemprego é gerado por recessões, automoção, robôs tomando o lugar dos humanos e outros eventos econômicos e sociais. O hábito de poupar e ajustar o consumo pessoal abaixo da renda mensal, como meio de formar reservas e adquirir patrimônio, é salutar, no mínimo por duas razões. Uma, os gastos pessoais são diários, ininterruptos e vão até o fim da vida, enquanto a renda é instável e pode ser perdida em algum momento por desemprego, doença ou emergência na família. Outra razão é que a velhice chega e, com ela, as doenças, a perda de energia e a exigência de aposentadoria compulsória.
No caso da falta de capital de giro das empresas, embora o alerta de Kanitz seja importante, é preciso lembrar alguns aspectos específicos. Em geral, o capital de giro na empresa se destina a sustentar o ciclo operacional de produção. Exemplificando: uma fábrica de camisas tem um ciclo que vai desde a compra da matéria-prima (tecido, tinta, linha, botão), materiais auxiliares de produção, materiais de consumo e despesas com pagamento de salários dos empregados, passando pelas vendas, até o recebimento da duplicata no vencimento.
Esse processo se repete com variações em função das peculiaridades da empresa, mas, entre o primeiro gasto de produção até o recebimento do valor das vendas, a empresa necessita de capital de giro para sustentar o ciclo, pagando juros quando o dinheiro é obtido por empréstimo bancário. Caso a empresa queira manter um valor adicional, como fundo de reserva para emergência, há duas fontes de recursos: aporte de capital pelos sócios (se tiverem dinheiro para isso) ou empréstimo bancário. Ambos têm “custo de carregamento”.
Quando os sócios aportam dinheiro na empresa, eles renunciam ao rendimento que poderiam obter caso aplicassem seu dinheiro em ativos reais ou financeiros em sua pessoa física. A isso os economistas chamam “custo de renúncia” ou “custo de oportunidade”, que é um ônus financeiro dos sócios. No caso de os sócios não terem capital próprio para aportar, resta à empresa tomar empréstimo bancário que, nesse caso, implica custo com juros. É bem verdade que a empresa pode aplicar seu fundo de reserva e se reembolsar de parte dos juros pagos, mas sempre os custos financeiros dos empréstimos são superiores às receitas financeiras das reservas aplicadas.
Quanto à referência às férias coletivas que as empresas concedem ou suspensão da produção por tempo relativamente longo (caso da indústria automobilística, que, quando os pátios estão lotados, fecha a fábrica e para por semanas ou meses), o fato de elas conseguirem suportar essas paradas sem irem à falência apresenta uma diferença essencial em relação à paradeira provocada pela pandemia do coronavírus: férias coletivas e suspensão da produção decorrem de decisões pensadas, avaliadas, planejadas, organizadas e tomadas em função de realidades específicas sob controle dos dirigentes. Já o fechamento de empresas imposto de forma abrupta por uma pandemia não prevista, não plenejada e fora do controle dos dirigentes e proprietários das empresas cria dificuldades inesperadas e, portanto, prejuízos e falências.
Não há dúvida de que maior propensão à poupança pessoal, menos propensão ao consumo e uma cultura empresarial mais preocupada com a solidez financeira que levasse as empresas a terem mais capital de giro e mais reservas para contingências são hábitos culturais favoráveis a criar famílias mais resistentes às crises e empresas menos vulneráveis diante de eventos que reduzem a demanda e fragilizam a operação empresarial. Mas as altas taxas de juros, o custo de carregar fundos de reservas e a baixa renda por habitante são marcas da realidade econômica brasileira que dificultam a formação de reservas tanto para pessoas físicas quanto para pessoas jurídicas.
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