O Brasil ganhou mais 30 dias para se livrar de um mal que o Congresso se preparava para perpetrar: a derrubada, na noite da última terça-feira, do veto presidencial ao projeto de lei que permitiria a criação de mais centenas ou até de 1 milhar de municípios no país. Um acordo de lideranças e a falta de quórum acabaram por adiar para abril o reexame da maléfica matéria original e de um substitutivo proposto pelo Executivo que mitigaria os maus efeitos da primeira.

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Não há quem não saiba que a imensa maioria dos 5.571 brasileiros vive em estado de penúria. As causas são muitas. Ora porque são mal administrados por prefeitos despreparados para a função; ora porque suas fontes de arrecadação são insuficientes para suprir o custeio da máquina pública, e muito menos para atender às necessidades da população. A mendicância é a regra: suplica-se pelo aumento dos repasses constitucionais; suplica-se pela aprovação de emendas orçamentárias que lhes permitam fazer pequenas obras ou manter serviços básicos.

O estado de miséria e a mendicância explícita separam a etapa seguinte pela distância de um só passo. A partir dele, os municípios e seus prefeitos firmam pactos de dependência política que, supostamente, darão sustento às suas precárias estruturas administrativas e, quem sabe, permitirão a realização de pequenas obras ou a melhora de alguns serviços públicos. Tudo passa a depender da benevolência de deputados e de outros chefetes que, em troca de votos e favores, se dispõem a lhes prestar tais caridades que, de modo geral, têm mais a ver com os votos que o curral pode lhes garantir do que com o verdadeiro e legítimo interesse de promover o desenvolvimento econômico e social do município.

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Boa parte dessa realidade provém da Constituição Federal de 1988, que transferiu responsabilidades para os municípios, fixando-lhes até porcentuais de seus orçamentos para aplicações específicas (como saúde e educação), mas não lhes garantiu os meios necessários para que as cumprissem. Outra parte surgiu com facilidades que a legislação proporcionava às Assembleias estaduais para que criassem municípios sem obediência a critérios mínimos que assegurassem a sobrevivência quer dos novos, quer dos antigos municípios dos quais se tinham originado.

Claro que essa situação construída sob tais moldes é absolutamente insuportável e precisa mudar. É claro, também, que o país precisa firmar um novo pacto federativo, de maneira a dar sustentabilidade tão autônoma quanto possível e equilíbrio entre os três entes que compõem a administração pública – União, estados e municípios. Entretanto, antes de pensar em pacto federativo, os políticos pensam nos currais. E não por outra razão o Congresso Nacional aprovou no ano passado o projeto que abre as porteiras para a criação desenfreada de municípios. Aos atuais 5.571 municípios (miseráveis em sua maioria) poderiam ser acrescentados outros mais de mil.

Justiça se faça: a presidente Dilma Rousseff, diante do baque econômico-financeiro que recairia sobre as contas públicas, vetou o projeto por inteiro. Na noite de terça, o Congresso se reuniu, disposto a derrubar o veto presidencial – e, por consequência, promulgar a lei original de cunho abertamente permissivo e bem na medida dos interesses político-eleitorais dos deputados e senadores. Para convencer os parlamentares a adiar a apreciação do veto, a Presidência ofereceu um projeto alternativo que, embora também não ideal, pelo menos estabelece alguns limites à sanha irresponsável do texto original.

Sem consenso e sem segurança quanto aos resultados, o Executivo manobrou para que se esvaziasse o quórum do Congresso, inviabilizando temporariamente a votação do veto e do novo projeto, que só voltarão à pauta em meados de abril. Até lá, esperamos, se estabeleça o bom senso, de modo a não se inscrever na história do Congresso Nacional mais uma teratológica e prejudicial iniciativa pela qual todos pagaremos.

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