A visita oficial do presidente iraniano Mahmoud Ahmadinejad ao Brasil começa hoje cercada de apreensão, tanto pelo papel que o Irã representa hoje no cenário internacional quanto pela personalidade controversa do homem forte de Teerã. Do ponto de vista das relações bilaterais, em princípio, a visita será marcada pela assinatura de acordos modestos – um programa na área cultural, a isenção de vistos diplomáticos, a cooperação técnica e um primeiro passo para futura colaboração da Embrapa com a agricultura daquele país. Além disso, o governo brasileiro está tentando negociar a criação de mecanismo de financiamento para as exportações.

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Da perspectiva multilateral, a maior expectativa da visita é que o presidente Lula possa se transformar em um interlocutor político para intermediar um possível diálogo entre os Estados Unidos e o Irã, interrompido há 30 anos. De tradição diplomática independente, o Brasil tem todas as credenciais para exercer esse papel, especialmente porque o Itamaraty, na era Lula, vem desenvolvendo todos os esforços para ampliar a influência política e econômica do país em regiões em que a liderança dos Estados Unidos se tornou débil.

Seria tolo negar-se ao diálogo com Ahma­­dinejad, como querem alguns setores mais radicais. Primeiro porque a ninguém deve ser negada a oportunidade de admitir seus erros e corrigi-los. Em segundo lugar porque seu radicalismo não dá a medida do que pensa todo o povo persa. A abertura ao diálogo não significa, no entanto, que o governo brasileiro deva fe­­char os olhos para os excessos de Ahmadi­­nejad. A maior apreensão é a respeito do que o hóspede possa dizer durante sua estada. Antisse­­mita radical a ponto de negar o Holocausto, crítico feroz de tudo o que se diz respeito aos EUA e militarista ao extremo, Ahmadinejad costuma explodir em declarações absurdas. Não há garantias de que ele seguirá a recomendação das chancelarias para não deve dar declarações sobre questões sem consenso entre ambos os país.

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O recado foi claro: em Brasília, o presidente do Irã deve se controlar e não repetir seus ataques a Israel e, de preferência, evitar críticas aos EUA. Mas, dado o histórico, a diplomacia brasileira deve estar preparada para deixar claro que receber Ahmadinejad não é chancelar tudo quanto ele disser.

Superado este desafio, o Brasil pode pensar em patrocinar uma aproximação de Wa­shington e Teerã. Uma aproximação que só ocorrerá com a superação de inúmeros obstáculos, a começar pelo acordo negociado do Irã com a Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA) sobre seu programa nuclear. O governo de Ahmadinejad ainda não disse sim a esse acordo, que servirá como salvaguarda contra qualquer iniciativa do regime iraniano de utilizar urânio enriquecido para produção de armas nucleares. A segunda grande barreira é a questão israelense. Ao se aproximar do Irã, Washington pode se afastar do governo de Tel-Aviv, ameaçando uma tradição de décadas de estreita cooperação política e militar.

Apesar desses e de outros desafios, tanto o presidente norte-americano, Barack Obama, como o presidente Lula têm a convicção de que o Irã é uma das peças centrais na solução dos conflitos do Oriente Médio. Sem Teerã, nenhum acordo terá substância. "Não se constrói a paz no Oriente Médio sem conversar com todas as forças políticas e religiosas", já disse Lula. O caminho do diálogo deve ser persegui­­do apesar de Ahmadinejad.