| Foto: Marcelo Andrade/Gazeta do Povo
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Em sua última reunião, o Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central (BC) reduziu a taxa básica de juros, a Selic, para 6% ao ano. A medida foi recebida com certa euforia pelo mercado. Inicialmente, a reação positiva deriva de uma crença geral de que o Brasil tem “uma das maiores taxas de juros do mundo”; em seguida, porque a redução dos juros estimula a busca de financiamento para consumo, cria mais disposição das empresas em fazer empréstimos para repor estoques e sustentar o giro de seus negócios, permite redução dos encargos da dívida pública e, por fim, estimula as decisões de investimentos das empresas. Em linhas gerais, acredita-se que juros menores empurram a economia para mais produção e, por consequência, mais empregos.

Alguns aspectos técnicos precisam ser entendidos para avaliação dos reais impactos da redução da taxa Selic na economia e para saber se o juro baixo é sustentável. Isso só é possível pelo conhecimento dos fatores que determinam a taxa de juros. Vale lembrar que a Selic é a taxa que o governo paga nos títulos da dívida pública e, como a dívida bruta do setor estatal (municípios, estados e União) cresceu demais e já anda perto de 80% de todo o Produto Interno Bruto (PIB) anual, a redução na Selic reduz o custo de rolagem da dívida. Além disso, a taxa Selic influencia as taxas de juros recebidas pelos aplicadores e a taxa paga pelos tomadores de empréstimos.

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Um ponto a ser esclarecido é que a afirmação de que o Brasil tem uma das mais altas taxas de juros do mundo não é totalmente verdadeira. Os poupadores que emprestam dinheiro ao governo comprando títulos pagam Imposto de Renda sobre os rendimentos, fazendo que parte das despesas de juros do governo volte para o próprio governo. Além disso, a taxa Selic refere-se aos juros nominais, e a comparação entre países deve ser feita pela taxa de juros reais; esta resulta da taxa nominal de juros menos a taxa de inflação. Aqui tem-se o primeiro fator determinante da taxa de juros: a inflação. Se a taxa de juros cai dois pontos porcentuais num dado ano porque a inflação também caiu dois pontos porcentuais no mesmo período, nada muda na taxa real de juros.

Em vez de a população gritar contra os banqueiros, é mais útil gritar contra os desequilíbrios nas contas do setor público

A inflação oficial de 2018, medida pelo Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) foi de 3,75% e, nos últimos 12 meses, baixou para 3,37%. Esse é um dos motivos invocados pelo Copom para a redução da taxa Selic. Historicamente, a taxa de juros vai para onde a inflação for. Inflação alta, juro alto. Inflação baixa, juro baixo. A redução de juros é bem-vinda, como também inflação menor é desejável – desde, claro, que a inflação baixa resulte de saúde da economia e não por decorrência de recessão, como a que castigou o Brasil nos anos de 2015 e 2016.

O segundo fator determinante da taxa de juros, depois da inflação, é a situação fiscal do setor público consolidado. Isto é, déficits fiscais anuais crônicos, resultantes de descontrole nos gastos públicos, obrigam o setor estatal a pressionar o sistema bancário para tomar empréstimos destinados a cobrir seus déficits. Essa situação, além de diminuir os fundos de crédito disponíveis para empréstimos ao setor privado, provoca pressão altista sobre a taxa de juros, pois, no mercado de crédito, também funciona a lei da oferta e da procura. E, nesse aspecto, o Brasil vai mal. Municípios, estados, União e empresas estatais deficitárias acumulam rombos anuais graves e, juntos, tomam a maior parte dos recursos financeiros disponíveis no sistema bancário.

Um banqueiro, quando abre sua tesouraria todas as manhãs, tem três grupos de clientes diante de seus olhos: as pessoas, as empresas e o governo, e toma as decisões que melhor atendam os interesses do banco, como é de sua obrigação fazê-lo. Assim, em vez de a população gritar contra os banqueiros, é mais útil gritar contra os desequilíbrios nas contas do setor público, pois, sem a solução dos déficits fiscais anuais, não há como baixar juros de forma consistente. Nesse mesmo panorama entra o tamanho da dívida bruta acumulada pelo governo. Dada a situação da economia brasileira, o tamanho da dívida púbica bruta é muito grande, quase 80% do PIB, e ela tende a pressionar os juros para cima, sobretudo caso não se vislumbre reversão do quadro deficitário nos anos à frente.

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A terceira determinante da taxa de juros é a situação das contas externas do país, expressada no conjunto das contas do balanço de pagamentos (balança comercial, balança de serviços e balança de capitais). Atualmente, essa é a variável que menos pressiona a taxa de juros no Brasil, pois a soma da dívida externa total (pública e privada) e os saldos anuais do balanço de pagamentos (entradas menos saídas de moeda estrangeira) apresenta um quadro saudável de contas externas do país. Quando os resultados do balanço de pagamentos são ruins e o país acumula dívida externa elevada, instala-se crise cambial e a obrigação de elevar os juros internos como meio de atrair capitais financeiros externos. O Brasil está em situação confortável das contas com o resto do mundo, e não se vislumbram problemas que possam criar crise cambial.

O Brasil tem o desafio de fazer o PIB crescer, principalmente em face do elevado desemprego, e a redução dos juros pode contribuir para tanto. Mas a influência da taxa de juros na economia não depende apenas de redução da Selic. Depende, também, das taxas dos empréstimos aos consumidores e às empresas. A formação da taxa de juros paga pelas pessoas e empresas aos bancos tem relação com a taxa que o banco paga para captar dinheiro, a carga tributária sobre as operações de crédito, os custos administrativos do sistema bancário, a inadimplência dos devedores, a demora na solução judicial das dívidas não pagas, os tributos sobre os resultados dos bancos e o grau de competição entre as instituições bancárias. Entender a questão dos juros no Brasil requer entender todo o conjunto de fatores que determinam as diversas taxas de juros vigentes.