São poucas as instituições da sociedade civil organizada com um histórico de serviços prestados ao país tão relevante quanto a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). A entidade de classe, há décadas, não tem se limitado apenas à defesa das prerrogativas de seus membros, mas também se tornou partícipe de grandes momentos da vida nacional, na defesa do Estado Democrático de Direito, no combate à corrupção e em diversas outras pautas de interesse do país. Uma atuação política, sem dúvida, mas no sentido mais autêntico da palavra, o da participação nos destinos da polis – e foi por manter-se longe de picuinhas partidárias que a OAB conquistou credibilidade como ator político relevante na vida brasileira.
Esta credibilidade, no entanto, está sendo colocada em risco pelo atual presidente do Conselho Federal da OAB, Felipe Santa Cruz, que só deixará o cargo em janeiro de 2022, mas vem empenhando o prestígio da posição que ocupa para alavancar ambições eleitorais no pleito de outubro do ano que vem. O próprio Santa Cruz – que já foi filiado ao PT, pelo qual disputou sem sucesso o posto de vereador no Rio de Janeiro, em 2004 – já admitiu publicamente que conversa com caciques partidários; ele é disputado por legendas de centro, centro-esquerda e de esquerda, e as possibilidades incluem uma candidatura ao governo fluminense ou ao Senado.
Os brasileiros se acostumaram a confiar na OAB e respeitá-la, mas Santa Cruz, com suas atitudes, vem colocando em xeque uma credibilidade construída a duras penas
Nem os aliados de Santa Cruz negam que ele vem imprimindo um caráter muito mais político-ideológico à OAB que seus antecessores. A oposição aberta a Jair Bolsonaro inclui, ainda, questões pessoais, já que o pai de Santa Cruz desapareceu durante a ditadura e teve sua memória atacada pelo atual presidente da República. Em 2011, ainda deputado, Bolsonaro havia dito que Fernando Santa Cruz morrera “bêbado” depois de pular carnaval; em setembro de 2019, voltou ao tema: “Um dia, se o presidente da OAB quiser saber como é que o pai dele desapareceu no período militar, conto pra ele. Ele não vai querer ouvir a verdade”.
Independentemente do que se pense sobre as afirmações de Bolsonaro, parece muito evidente que o peso da OAB jamais deveria ser lançado em meio a desavenças pessoais. Mas a politização recente da entidade vai muito além: Santa Cruz já chamou o ex-juiz e ex-ministro Sergio Moro de “chefe de quadrilha”, insultou a advogada do senador Flávio Bolsonaro, e defendeu explicitamente a prisão abusiva do deputado Daniel Silveira, ordenada pelo ministro do STF Alexandre de Moraes com base na Lei de Segurança Nacional.
As atitudes e posições de Santa Cruz já causaram rachas dentro do Conselho Federal da OAB e vêm encontrando oposição cada vez maior. Em abril, integrantes do Movimento em Defesa da Advocacia lançaram um manifesto contra a excessiva politização da OAB sob a batuta de Santa Cruz. No início de junho, a insatisfação ganhou ares mais institucionais, quando o Colégio de Presidentes da Federação dos Institutos dos Advogados do Brasil publicou uma carta aberta, afirmando que, embora pretensões eleitorais da parte de Santa Cruz sejam legítimas, ele erra ao misturar suas ambições futuras com a posição presente: “nenhum dos mais de um milhão de advogados supunha que, em meio a ele [o mandato de três anos à frene da OAB], pudesse sobrevir interesse público cuja natureza se distancia da necessária isenção ideológica partidária inerente ao exercício da Presidência do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil”, diz a carta, acrescentando que a postura de Santa Cruz, “ao não se afastar de maneira categórica dos temas político-partidários, é inaceitável e contraria a história e os princípios basilares de nossa OAB”.
Ao longo das últimas décadas, os brasileiros se acostumaram a enxergar a OAB como um baluarte na defesa das liberdades democráticas e a confiar na entidade. Santa Cruz, no entanto, vem envolvendo perigosamente a Ordem naquilo que Hélio Gomes Coelho Júnior, um ex-integrante do Conselho Federal da OAB, chamou de “pautas miúdas”, e com isso coloca em xeque uma credibilidade construída a duras penas. Nem uma retração a ponto de se concentrar apenas nas questões internas da classe, nem o apequenamento promovido por ambições e enviesamentos político-partidários: a OAB precisa retomar o bom caminho do meio, como participante do bom debate político nacional, que lhe rendeu o respeito de inúmeros brasileiros.
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