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Editorial

Juntos pelo atraso

Fernando Henrique Cardoso e Lula publicaram nota contra medidas de maior inserção comercial do Mercosul (Foto: Foto: Ricardo Stuckert)

O ministro da Economia, Paulo Guedes, ciente da necessidade de maior inserção brasileira no comércio internacional, repetiu no fim de abril um pedido já feito pelo presidente Jair Bolsonaro por ocasião das comemorações dos 30 anos do Mercosul: a redução gradativa da Tarifa Externa Comum (TEC), que todos os países-membros são obrigados a aplicar a produtos vindos de fora do bloco, e uma flexibilização das regras sobre acordos comerciais, para que os membros possam negociar sozinhos com outros países e grupos de nações.

A proposta do ministro não tem nada de radical, começando com um corte de 10% na TEC. “Se você tem um produto com tarifa de 30% e reduz 10%, você reduz apenas para 27%”, exemplificou Guedes em sessão solene no Senado, também parte das comemorações pelos 30 anos do Tratado de Assunção. Quanto aos acordos comerciais, o ministro propôs que a negociação isolada pode servir como termômetro para que, posteriormente, os demais integrantes do Mercosul também possam se juntar. “Deixar que um membro consiga ter acordos comerciais como se fosse pioneiro. Deixa ele fazer; se for bom, os demais membros avançam. Se não for bom, não avança”, afirmou.

Ser protecionista é fechar portas a nossos produtos no exterior e impedir os brasileiros de terem acesso a produtos estrangeiros melhores e mais baratos

Não se trata de enfraquecer a negociação conjunta, até porque, para qualquer parceiro comercial externo, será muito melhor ter acesso ao Mercosul todo que a apenas um de seus membros. E, para o bloco, continua sendo mais interessante negociar como uma unidade – afinal, trata-se de uma potência agrícola de quase 270 milhões de habitantes –, para conseguir termos mais vantajosos. No entanto, as regras atuais permitem que um único membro com tendências protecionistas seja capaz de emperrar qualquer avanço em termos de livre comércio, tanto do bloco como de membros individuais dispostos a abrir seu mercado.

E, hoje, o protecionismo atende pelo nome de Alberto Fernández, o presidente argentino, que de imediato rechaçou a proposta de Guedes. É um caso evidente em que a ideologia atropela a realidade, pois os argentinos estão cansados de saber o que ocorre quando seu país se fecha ao mundo: desabastecimento, caos econômico e pobreza. Foi assim quando a Casa Rosada era ocupada por Cristina Kirchner, hoje vice de Fernández, e tudo indica que o atual presidente queira trilhar o mesmo caminho, já tendo interferido nas exportações de carne local.

Mas também no Brasil o atraso tem seus arautos. Os ex-presidentes Lula e Fernando Henrique Cardoso divulgaram nota conjunta em apoio a Fernández, afirmando que “este não é o momento para reduções tarifárias unilaterais por parte do Mercosul, sem nenhum benefício em favor das exportações do bloco” e que “é necessário manter a integridade do bloco, para que todos os seus membros desenvolvam plenamente suas capacidades industriais e tecnológicas e participem de modo dinâmico e criativo na economia mundial contemporânea”.

Trata-se de uma argumentação falaciosa do início ao fim. Relatório de 2018 publicado pelo Banco Mundial traz evidência empírica de que a redução de tarifas de importação, mesmo quando não vem acompanhada imediatamente de ações recíprocas de parceiros comerciais, é capaz de gerar crescimento e renda, inclusive para os países mais pobres. O mesmo documento afirma que novas rodadas de corte em tarifas de importação, acompanhadas do fim de impostos sobre a exportação, tirariam da pobreza milhões de brasileiros e aumentaria o PIB em quase 1 ponto porcentual por ano. Além disso, a flexibilização proposta por Guedes em nada ameaça a “integridade do bloco” – pelo contrário: o que realmente ameaça o Mercosul é a intransigência de governos protecionistas que engessam negociações e levam países dispostos a ter maior inserção internacional a se perguntar se vale a pena seguir fazendo parte de um bloco cujas regras emperram seu crescimento.

De Lula, antigo camarada do kirchnerismo, não se podia esperar coisa diferente, mas seu antecessor poderia e deveria estar ciente dos benefícios da abertura econômica, tendo sido o ministro da Fazenda responsável pelo Plano Real e o presidente que legou ao Brasil uma série de medidas econômicas salutares, como privatizações e a Lei de Responsabilidade Fiscal. Que FHC tenha se disposto a emitir nota conjunta com o maior mentiroso da história do país (e que só não está atrás das grades pagando pelo petrolão graças à ajuda do STF) mostra que sua aversão por Bolsonaro é tamanha a ponto de cegá-lo para propostas indubitavelmente positivas, opondo-se a elas apenas por virem do atual governo. Ser protecionista é fechar portas a nossos produtos no exterior e impedir os brasileiros de terem acesso a produtos estrangeiros melhores e mais baratos. É condenar o país ao atraso e à pobreza.

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