A Lei da Ficha Limpa é uma vitória importante da sociedade, mesmo com sua aplicação adiada para 2012 pelo Supremo Tribunal Federal (STF), na noite de quarta-feira passada. Fruto de um projeto de iniciativa popular, a regra tem sua origem em um esforço coletivo de realizar mudanças no sistema político no País, impedindo que pessoas condenadas em segunda instância, por crimes contra a administração pública, possam apresentar candidatura para mandatos políticos eletivos. Se o projeto não partisse da sociedade, jamais os próprios detentores iriam, por vontade própria, apresentar e aprovar propostas semelhantes.
A implantação da Lei da Ficha Limpa demonstra o êxito da sociedade como agente político de relevância. É a demonstração mais clara e mais atual de que a população pode, e deve, ocupar espaços que são deixados vagos pelos parlamentares no processo de reforma política do País. A sociedade brasileira possui o mérito de ter iniciado algo que os representantes eleitos, apesar de todo o aparato que os envolvem, não conseguiram. É provável que a reforma política também seja aprovada somente se a sociedade brasileira pressionar nesse sentido, dadas as dificuldades do Congresso Nacional em chegar a um consenso sobre os diversos temas.
A norma da Ficha Limpa apresenta-se como um mecanismo importante para o bom funcionamento das instituições. É um primeiro filtro para separar os políticos bem-intencionados dos mal-intencionados. Contraria os interesses de setores da classe política que estão acostumados com a impunidade e que partilham da crença da "absolvição pelas urnas". Como a regra só será aplicada no próximo ano, todo o esforço até agora realizado poderá se tornar vão se a sociedade não permanecer vigilante a quaisquer tentativas de desfigurar a Lei da Ficha Limpa no Congresso Nacional. Pois nada garante que os políticos que possam vir a ser afetados pela regra em um futuro próximo não tentem neutralizá-la, a fim de garantir sua elegibilidade. Alterar a lei seria um retrocesso e lançaria ao descrédito a sociedade.
A decisão do STF no caso da Ficha Limpa dada em um placar apertado, por seis votos a cinco pode ser considerada uma vitória parcial da sociedade no combate a vícios da política clientelista e patrimonialista que dominam o Brasil. Parcial não somente porque a lei que poderia impedir a posse de políticos condenados na Justiça desde já teve sua aplicação postergada para 2012, mas também porque há muito ainda o que fazer para tornar o ambiente político brasileiro mais democrático e republicano.
A votação de quarta-feira também marcou a retomada da segurança das decisões do STF, pois agora o time de ministros está completo, com a presença de Luiz Fux. A decisão de outubro sobre a própria Lei da Ficha-Limpa terminou em empate, pois dez ministros integravam o Supremo naquele momento. Com a corte completa, casos de grande comoção social, como a possibilidade do aborto de fetos anencéfalos (sem cérebro) e o que trata da união entre homossexuais para fins previdenciários podem voltar a ser discutidos. Sem falar da extradição do italiano Cesare Battisti e do sistema de cotas a partir de critérios raciais em universidades brasileiras.
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