• Carregando...
orçamento secreto
Ministra Rosa Weber, relatora das ações que questionavam a constitucionalidade do “orçamento secreto”.| Foto: Divulgação/STF

Um mecanismo imoral para abocanhar uma fatia ainda maior dos impostos do brasileiro, repassando-a a parlamentares com critérios nada transparentes nem isonômicos, foi definitivamente derrubado pelo Supremo Tribunal Federal em julgamento encerrado nesta segunda-feira (19). O “orçamento secreto”, como ficaram conhecidas as emendas de relator, ou RP9 no jargão técnico do Congresso, foi declarado inconstitucional por 6 votos a 5 – a relatora, Rosa Weber, foi seguida por Edson Fachin, Luís Roberto Barroso, Luiz Fux, Cármen Lúcia e Ricardo Lewandowski, autor do voto decisivo.

Que o uso atual das emendas de relator desvirtuava completamente a finalidade original para a qual foram criadas era evidente. As RP9 nasceram para corrigir erros ou omissões na peça orçamentária, tarefa que de fato caberia ao relator do Orçamento da União. Mas elas se tornaram algo bastante diferente: uma forma de privilegiar parlamentares amigos, rompendo a isonomia que marca a distribuição das emendas individuais, cujo valor é o mesmo para todos os deputados e senadores, sejam governistas, oposicionistas ou independentes. Para completar, esse favorecimento se dava de forma oculta, já que a autoria formal das emendas era do relator – daí o apelido “orçamento secreto”, surgido assim que essa nova modalidade de farra de emendas foi tornada pública pela imprensa.

A prática mostrou que o problema do “orçamento secreto” não se limitava à sua falta de transparência, como a princípio se cogitou. Ele violava praticamente todos os princípios da administração pública elencados no caput do artigo 37 da Constituição.

Mas, ao barrar as emendas de relator em sua integridade, o Supremo não estaria, mais uma vez, intrometendo-se nas atribuições do Poder Legislativo? Se as RP9 não eram proibidas por lei, e se os congressistas decidiram usá-las dessa forma, aprovando o Orçamento, não estariam em seu direito, por mais absurdo que isso fosse? Foi uma preocupação que a Gazeta do Povo, que sempre se opôs ao uso indevido das emendas de relator, chegou a manifestar quando da primeira liminar sobre o tema no STF, e que também esteve presente nos votos dos cinco ministros que foram vencidos – André Mendonça, Nunes Marques, Alexandre de Moraes, Dias Toffoli e Gilmar Mendes. Eles condicionaram a manutenção das emendas a novos critérios de transparência e isonomia.

Ocorre que a prática mostrou que o problema do “orçamento secreto” não se limitava à sua falta de transparência, como a princípio se cogitou. Ele violava praticamente todos os princípios da administração pública elencados no caput do artigo 37 da Constituição, especialmente o da moralidade (ao abrir as portas para a corrupção) e da impessoalidade, já que o “orçamento secreto” existia exatamente para privilegiar os que tivessem boas relações com quem efetivamente tomava as decisões. O Congresso, depois de passar mais de um ano ignorando descaradamente as recomendações de Rosa Weber para aprimorar a transparência das emendas, fez uma última tentativa desesperada de salvar o “orçamento secreto” aprovando um projeto de resolução que instituía novas regras de publicidade, mas que não resolvia todos os problemas, como apontou Lewandowski, cujo voto foi proferido após a resolução ter sido aprovada.

A decisão do STF foi considerada benéfica para o presidente eleito Lula, pois evita desgaste com o Congresso caso o petista resolvesse trabalhar pelo fim do “orçamento secreto”, e também o poupará da pecha de hipócrita caso ele optasse por preservar o mecanismo depois de tê-lo atacado durante a campanha eleitoral. Mas não é o cálculo de vencedores e perdedores que deve nortear decisões do Supremo; a prática do “orçamento secreto” demonstrou que ele era, de fato, inconstitucional e precisava ser derrubado; desta vez, os ministros fizeram a coisa certa. Mas que ninguém se iluda: com um Congresso que já demonstrou seu apetite pelo dinheiro público, e um governo que ainda tenta construir uma base aliada que lhe dê alguma tranquilidade para aprovar seus projetos, outras barganhas, outros mecanismos virão, mais cedo ou mais tarde. Por isso, o Brasil conta com a vigilância da sociedade e dos parlamentares comprometidos com a lisura no trato do dinheiro público, que tantos bons resultados já trouxe no passado. Não é hora de baixar a guarda.

0 COMENTÁRIO(S)
Deixe sua opinião
Use este espaço apenas para a comunicação de erros

Máximo de 700 caracteres [0]