Ao contrário de tantas outras vezes em que o governo havia anunciado que a reforma administrativa iria ao Congresso, desta vez felizmente não houve recuo. O texto foi entregue ao Legislativo federal nesta quinta-feira, com medidas estruturantes. Nesta primeira fase, com uma proposta de emenda à Constituição, trata-se de redesenhar a estrutura do funcionalismo, melhorar os mecanismos que avaliam o desempenho do servidor e acabar com “prêmios” que, além de muito custosos aos cofres públicos, têm o efeito prático de distanciar o serviço público de carreiras similares na iniciativa privada. Só mais adiante virão as propostas sobre salários iniciais e número de carreiras e etapas de progressão dentro delas, ocasião em que será possível avaliar a economia que a reforma trará ao país.
As principais mudanças incluem cinco diferentes tipos de vínculo para o servidor, incluindo alguns que não terão garantida a estabilidade – mesmo assim, qualquer desligamento terá de ser justificado, e a PEC da reforma ainda trata da demissão por desempenho insuficiente, que já existia, mas ainda não era regulamentada. Também acabarão, entre vários penduricalhos que o governo chama de “distorções” e “privilégios”, as progressões por tempo de serviço – ou seja, o servidor só subirá na carreira por mérito –, as férias por tempo superior a 30 dias, as licenças-prêmio, os adicionais por tempo de serviço, a redução de jornada sem correspondente redução na remuneração, e a incorporação ao salário de valores referentes ao exercício de cargos e funções. A aposentadoria compulsória como punição por irregularidades cometidas também será extinta.
A reforma administrativa é necessária em si mesma, e não apenas porque os cofres públicos estão à míngua
Com mudanças tão radicais, é compreensível que o governo tivesse optado, ainda durante a fase de desenho da reforma, em não aplicá-la aos atuais servidores. O tema certamente seria judicializado, com forte tendência a considerar todos esses benefícios como “direitos adquiridos” que não poderiam ser alterados nem mesmo por emenda constitucional. Esta escolha também pode amenizar as resistências de pelo menos alguns parlamentares que têm no funcionalismo sua base eleitoral, embora as entidades que representam servidores já estejam se movimentando para fazer pressão contra o texto do governo.
Assim como as outras reformas macroeconômicas, a administrativa era necessária em si mesma, e não apenas porque os cofres públicos estão à míngua. Ainda que os governos estivessem nadando em dinheiro, não é mais possível que o serviço público continue a ser fonte de desigualdade entre brasileiros, com remunerações iniciais e médias salariais muito maiores que as oferecidas pela iniciativa privada, além de tantos outros benefícios inacessíveis ao brasileiro assalariado ou empreendedor. Aliás, o hábito de oferecer altos salários de entrada está intimamente conectado ao “achatamento” das carreiras públicas, quando não há muita diferença salarial entre quem acaba de ingressar no funcionalismo e quem está nele há décadas. Isso, por sua vez, leva à demanda pelos penduricalhos que servem de compensação pela ausência de ganhos mais significativos no salário-base à medida que os anos passam. A concretização de todas essas metas dependerá das próximas etapas da reforma, que exigem a aprovação do texto enviado ao Congresso nesta quinta-feira.
Agora, é esperar que o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), que tanto insistiu pelo envio da reforma administrativa o quanto antes, também cumpra sua promessa e coloque a reforma administrativa para andar de forma que ela seja aprovada, no mais tardar, no início do próximo ano. E que o Congresso, tão repleto de parlamentares dispostos a fazer o jogo do corporativismo, não retalhe o texto, diminuindo drasticamente seu impacto como fez com a reforma da Previdência. O país precisa de um serviço público eficiente, que saiba recompensar seus funcionários sem criar privilégios que os distanciam daqueles a quem servem.
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