De repente, o Congresso Nacional voltou a ter legitimidade para julgar uma cassação. Foi assim que, no fim da noite de segunda-feira, pela avassaladora contagem de 450 votos a favor, dez contra e nove abstenções (incluindo as dos paranaenses Nelson Meurer e Alfredo Kaefer), o ex-presidente da Câmara, Eduardo Cunha, perdeu seu mandato após um desnecessariamente longo processo que durou 11 meses e envolveu todo tipo possível de chicanas e manobras regimentais, das quais seus aliados não abriram mão até o último minuto para adiar a queda do deputado, acusado de quebra de decoro parlamentar por ter mentido sobre suas contas no exterior – parece pouco, mas só até lembrarmos que a mentira foi seu recurso para esconder o resultado de supostos atos de corrupção pelos quais Cunha já era até réu no Supremo Tribunal Federal.

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O agora ex-deputado tentou desviar a atenção dos reais motivos de sua cassação ao alegar que estava pagando o preço por ter autorizado o início do processo de impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff, no fim do ano passado. De fato, Cunha foi peça-chave porque cabe ao presidente da Câmara a responsabilidade de receber e acolher denúncias por eventuais crimes de responsabilidade cometidos pelo presidente da República. Mas é preciso lembrar que Cunha não foi o “cavaleiro solitário” do impeachment: 367 deputados aprovaram a abertura do processo, em abril deste ano; 55 senadores votaram pelo afastamento de Dilma, em maio; e, por fim, 60 senadores cassaram o mandato da presidente em agosto.

Apesar de seu papel no impeachment, Cunha não será aclamado por ninguém como “guerreiro do povo brasileiro”

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É possível dizer que, se o presidente da Câmara fosse outro, como o petista Arlindo Chinaglia (derrotado por Cunha em fevereiro de 2015), jamais teria havido impeachment? Certamente que sim. Mas, diante de uma peça bem fundamentada tecnicamente e que apresentou, do ponto de vista formal e burocrático, todos os requisitos necessários, o ato de 2 de dezembro de 2015, quando Cunha finalmente autorizou a abertura de processo, foi praticamente o cumprimento de uma obrigação.

Aliás, se algo pode ser dito de Cunha em relação ao impeachment, é o fato de o ex-presidente da Câmara ter manchado um processo legítimo ao submetê-lo a seus interesses pessoais. Enquanto era cortejado pelo próprio PT num “acordão” que salvaria a pele tanto de Dilma quanto de Cunha, o deputado rejeitou vários outros pedidos de impeachment, alguns dos quais muito bem elaborados, como a primeira denúncia formulada por Janaína Paschoal, Miguel Reale Júnior e Hélio Bicudo. Apenas quando ficou claro que o PT não o apoiaria na Comissão de Ética é que Cunha deixou de procrastinar e passou a fazer seu trabalho corretamente.

A submissão dos anseios do país à salvação do próprio pescoço era tão evidente que, já em outubro de 2015, a Gazeta do Povo afirmava que o melhor para o Brasil era que Cunha caísse antes de Dilma, até mesmo para afastar quaisquer dúvidas sobre a lisura de um eventual processo de impeachment, que ainda não havia começado à época. A permanência de Cunha à frente da Câmara permitiu inclusive que Dilma manipulasse a narrativa do impeachment com afirmações do tipo “não tenho contas na Suíça”, referência clara ao deputado, mas que escondia o fato de que a acusação contra a presidente era de natureza bem diversa.

Apesar de seu papel no impeachment, Cunha não será aclamado por ninguém como “guerreiro do povo brasileiro”, nem verá eventos de desagravo em sua homenagem. Aguarda-o a Justiça – provavelmente a Justiça Federal do Paraná, caso o Supremo remeta ao juiz Sergio Moro o processo de Cunha. Mas que ninguém se iluda: a corrupção no Congresso não acaba com sua queda, assim como o legado petista de depredação das instituições não acabou com a queda de Dilma. Ainda há muitas raposas no Legislativo, com até maior capacidade de sobrevivência e articulação que Eduardo Cunha. A limpeza está apenas no começo, e não pode parar agora.

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