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Ministros do STF (da esquerda para a direita) Alexandre de Moraes, Luís Roberto Barroso, Dias Toffoli e Gilmar Mendes.
Gilmar Mendes, Dias Toffoli e Luís Roberto Barroso (à direita) já votaram pela constitucionalidade da contribuição assistencial; Alexandre de Moraes (à esquerda) é o próximo a votar.| Foto: Carlos Moura/SCO/STF

O retorno do imposto sindical obrigatório, defendido por Lula, pelo ministro Luiz Marinho, por sindicatos e centrais sindicais, enfrenta enorme resistência da sociedade e do Congresso Nacional. Mas os interessados já têm um “plano B”, e para isso contam com o Supremo Tribunal Federal. A corte marcou para a segunda semana de setembro, em plenário virtual, a continuação de um julgamento sobre a constitucionalidade da chamada “contribuição assistencial”, que costuma ser decidida em assembleias e incluída em convenções coletivas. O julgamento havia sido interrompido em abril por um pedido de vista de Alexandre de Moraes, e já há cinco votos pela legalidade da cobrança.

Em 2017, o próprio STF havia considerado essa contribuição inconstitucional, argumentando que já existia o imposto sindical obrigatório. No entanto, a reforma trabalhista, aprovada após aquela decisão do Supremo, extinguiu o imposto sindical, e foi nessas circunstâncias que a corte começou a julgar os embargos de declaração interpostos contra aquela decisão. O relator, Gilmar Mendes, mudou seu entendimento original afirmando justamente que, na ausência do antigo imposto, a contribuição assistencial passava a ser justificada. Foi seguido por Luís Roberto Barroso, Cármen Lúcia, Dias Toffoli e Edson Fachin.

De acordo com a legislação trabalhista, qualquer cobrança só pode ocorrer quando o trabalhador manifesta seu desejo de contribuir com o sindicato que o representa. Os ministros, no entanto, estão legitimando a via contrária

No entanto, com ou sem imposto sindical em vigor, o que estes cinco ministros fizeram foi atropelar completamente a letra e o espírito da reforma trabalhista. A contribuição assistencial aparece nos artigos 578 e 579 da CLT; o problema não é sua existência em si, mas a forma como se pretende cobrá-la. As mudanças de 2017 inseriram na CLT várias referências à “autorização prévia e expressa” do trabalhador para que sofra qualquer cobrança – autorização esta que é sempre individual, não coletiva, como diz a própria jurisprudência do STF. O artigo 611-B da CLT chega ao ponto de considerar inválidas as cláusulas de convenção coletiva que afrontem “o direito [do trabalhador] de não sofrer, sem sua expressa e prévia anuência, qualquer cobrança ou desconto salarial estabelecidos em convenção coletiva ou acordo coletivo de trabalho”.

Ou seja, de acordo com a legislação trabalhista, qualquer cobrança só pode ocorrer quando o trabalhador manifesta seu desejo de contribuir com o sindicato que o representa. Os ministros, no entanto, estão legitimando a via contrária, permitindo que se aprove uma cobrança generalizada, dando ao trabalhador apenas a opção de exercer seu “direito de oposição”, obrigando-o a agir caso não queira sofrer o desconto e validando uma espécie de “quem cala consente”. É um raciocínio que, além de bater de frente com a legislação, ainda tem uma série de outros problemas. O primeiro deles é prático: como explicaram à Gazeta do Povo advogados trabalhistas, há sindicatos que dificultam ao máximo o exercício do “direito de oposição” com exigências desproporcionais, como a necessidade de entregar pessoalmente documentos redigidos de próprio punho apenas em determinados dias e horários.

O segundo problema é de ordem conceitual e bem mais amplo: a ideia de que, uma vez reconhecida a importância de determinadas instituições, torna-se válido obrigar os brasileiros a bancá-las contra sua vontade. O caso mais escandaloso, obviamente, é o dos fundos partidário e eleitoral, mas esta ideia equivocada também está sendo aplicada ao financiamento dos sindicatos. Ainda que uma contribuição sindical com direito de oposição, como a que o STF está votando, seja um mal menor em comparação com um imposto sindical do qual os trabalhadores não terão como escapar uma vez aprovado, ambos os modelos violam a premissa básica de que sindicatos, assim como partidos políticos, devem ser bancados apenas pelos seus membros e pelos que voluntariamente desejam contribuir com eles por acreditarem em seus ideais ou por se sentirem representados por eles.

Como a Gazeta do Povo já afirmou inúmeras vezes, em linha com nossa defesa do associativismo como instrumento para a construção de uma sociedade saudável, sindicatos são atores importantes na defesa e na representação do trabalhador. No entanto, eles devem fazem jus ao seu financiamento por meio do convencimento, conquistando filiados ao mostrar serviço na defesa firme e efetiva dos interesses da categoria profissional, em vez de se dedicar à atuação político-partidária ou a outros interesses. O sistema sindical brasileiro padece de distorções que caminham juntas: há o “efeito carona”, pelo qual os empregados não sindicalizados se beneficiam das negociações feitas pelos sindicatos, mas ele só existe porque o trabalhador não tem opção: a unicidade sindical prevista no artigo 8.º, II, da Constituição prevê que não pode haver mais de um sindicato representando a mesma classe profissional em determinado território. Validar as contribuições assistenciais pela via do STF, além de representar ativismo judicial ao fazer letra morta da lei trabalhista, não resolve os reais problemas da representação sindical.

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