O caos provocado por militantes antipetistas na Praça dos Três Poderes, no último domingo, ainda nem havia sido devidamente contido e a busca por culpados já havia começado. Entre os responsáveis, obviamente, estão os vândalos, que precisam ser devidamente identificados e punidos. Mas, com aquela precipitação típica que investiga, acusa e condena de forma quase simultânea, dedos também foram apontados para os demais acampados em outras cidades brasileiras, caluniosamente chamados de “terroristas”; para o ex-presidente Jair Bolsonaro e políticos aliados, tratados como instigadores da violência; para formadores de opinião contrários ao petismo; e para os responsáveis pela segurança pública do Distrito Federal, acusados de omissão e que já estão sendo punidos – o ex-secretário Anderson Torres tem ordem de prisão decretada e o governador Ibaneis Rocha foi afastado pelo STF, ao arrepio do que diz a Lei Orgânica do DF. Mas há um esquecimento bastante conveniente, e que diz respeito à possível omissão das autoridades federais.
Ainda antes do 8 de janeiro, o ministro da Justiça, Flávio Dino, havia assinado a Portaria 272/2023, autorizando a Força Nacional a garantir a segurança na Praça dos Três Poderes, inclusive anunciando no Twitter, no sábado, dia 7, que “além de todas as forças federais disponíveis em Brasilia, e da atuação constitucional do governo do Distrito Federal, teremos nos próximos dias o auxílio da Força Nacional”. Nos dias seguintes ao caos, reportagens de vários veículos de imprensa começaram a mostrar que o governo federal tinha plena consciência da ameaça de quebra-quebra. A Folha de S.Paulo apurou que a Agência Brasileira de Inteligência havia avisado 48 órgãos do governo federal, além do governo distrital, sobre a intenção dos manifestantes de causar vandalismo nas sedes dos poderes no domingo. E, segundo O Estado de S. Paulo, o Gabinete de Segurança Institucional (GSI), ligado diretamente à Presidência da República, dispensou reforço na guarda do Palácio do Planalto menos de 24 horas antes da invasão.
Se as autoridades do Distrito Federal estão sendo acusadas de conivência deliberada com o vandalismo por serem alinhadas ao bolsonarismo, poderíamos aplicar o mesmo critério e constatar, sem rodeios, que o grande beneficiado com o 8 de janeiro foi o próprio Lula
Dino já alegou que a Secretaria de Segurança Pública do Distrito Federal mudou na última hora o seu esquema de segurança para a manifestação; que havia destacado todos os 140 membros da Força Nacional presentes em Brasília (os outros 500 estavam em outros estados); que teria reforçado a presença federal se soubesse antecipadamente que o planejamento tinha sido alterado; e que a esfera federal só atua quando a esfera estadual (ou, no caso, distrital) falha. Isso, no entanto, não responde satisfatoriamente a todas as questões envolvendo a evidente falha de segurança na Praça dos Três Poderes no domingo. Afinal, se a ameaça era grande e iminente como haviam alertado os órgãos de inteligência, todo reforço possível – inclusive federal – no contingente destinado a proteger as sedes do Executivo, do Legislativo e do Judiciário seria plenamente justificado.
E, analisando friamente toda a situação, se as autoridades do Distrito Federal estão sendo acusadas de conivência deliberada com o vandalismo por serem alinhadas ao bolsonarismo, poderíamos aplicar o mesmo critério e constatar, sem rodeios, que o grande beneficiado com o 8 de janeiro foi o próprio Lula. Sem apoio nenhum, desde o início estava claro que os vândalos não tinham a menor perspectiva de prosperar em suas intenções golpistas; independentemente do estrago material causado, logo seriam subjugados. Nem Lula nem o ministro Alexandre de Moraes se sentiram minimamente intimidados pelo que ocorreu – pelo contrário, só ganharam munição para escalar a repressão contra seus críticos. Lula, o amigo de ditadores, o defensor do garrote sobre o jornalismo, conseguiu posar de vítima e paladino da democracia em escala planetária; a imprensa, que já ensaiava críticas devido ao começo de governo ruim em termos de sinalizações econômicas, passou a se concentrar apenas na repercussão do 8 de janeiro e na ofensiva contra Bolsonaro e seus “terroristas”.
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As investigações sobre a possível omissão das autoridades, motivada seja por imprudência, imperícia ou decisão deliberada, não pode se restringir ao Distrito Federal. Deputados federais já se mobilizam para abrir uma CPI que apure a forma como o Ministério da Justiça se preparou diante da possibilidade de atos violentos na Praça dos Três Poderes. No fim, dependendo das informações que surgirem, pode-se até concluir que o governo federal fez o que estava a seu alcance, ou que falhou menos que o governo distrital; o que não se pode é blindar antecipadamente quem também tinha o poder de mobilizar forças de segurança que se mostraram insuficientes para impedir a destruição do último domingo.