• Carregando...

Com o exagero e a ousadia de sempre, o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra (MST) tomou as ruas das cidades, conturbou o trânsito e invadiu prédios públicos durante a semana que passou para outra vez desfraldar sua bandeira oficial de luta pela reforma agrária. Ao mesmo tempo se associava a outros grupos sindicais e movimentos sociais em manifestações pedindo a suspensão das demissões motivadas pela crise econômica mundial.

Em comum, as duas causas têm a extemporaneidade das reivindicações que apresentam. Os registros oficiais mostram, por exemplo, que a economia global e a brasileira retomam o caminho da normalidade e que o emprego voltou a crescer em ritmo aparentemente sustentado. Quanto ao grito pela reforma agrária, a extemporaneidade não se mede em meses, mas em décadas, talvez séculos.

De fato, essa reforma agrária que leva o MST às ruas, a praticar invasões de propriedades, a cometer violências contra o patrimônio público e privado, a atentar contra a vida humana já não se coaduna com a realidade e com as exigências do mundo atual. A reforma agrária que o movimento prega seria mais condizente com o Brasil rural que praticava a agricultura de subsistência até meados do século passado.

O MST protesta contra a lentidão com que os governos que se sucedem – o que inclui os dois mandatos do presidente Lula, cujo partido, aliás, sempre foi forte aliado do movimento e defensor da reforma agrária – se dedicam a cumprir as metas de assentamento. Enquanto não desapropriam áreas, acumula-se o passivo de milhões de pessoas que buscam alcançar um pedaço de terra para sobreviver.

Entretanto, não nos parece ser hoje esta a me­­lhor linha de solução para o inegavelmente grave problema que afeta os deserdados da terra. Por maior que seja o esforço governamental, os resultados sempre ficarão aquém das promessas. Com­­preende-se, portanto, a frustração de tantos quantos esperavam um desempenho à altura da tradição de luta do Partido dos Trabalhadores.

É preciso, no entanto, levar em conta a enorme distância que separa o ideal pregado pelo MST e as possibilidades reais do país, fato que se constata a partir dos critérios utilizados pelo MST para quantificar a demanda por terras. Segundo tais critérios, são candidatos a pedaços de terra todos os assalariados rurais; os parceiros, meeiros e arrendatários; os boias-frias; e os filhos de proprietários rurais cujas famílias ocupem até 30 hectares (sem condição de dividir o terreno com os filhos).

Cálculos do próprio movimento indicam a existência hoje de 4,5 milhões de famílias nessas condições, o que corresponde a cerca de 12 milhões de pessoas. Para assentá-las, seria necessário desapropriar uma área equivalente a quase três vezes a extensão territorial do Paraná. Atualmente, depois de décadas de desapropriações, os assentamentos já existentes correspondem a apenas uma vez e meia o território paranaense.

Vê-se, portanto, que, a despeito de todos os avanços obtidos, está muito distante a possibilidade de realizar-se integralmente a reforma agrária no país nos moldes pretendidos. Não há recursos suficientes para tanta desapropriação e, muito menos, para viabilizar os assentamentos resultantes – isto é, para provê-los das condições infra-estruturais necessárias para o mínimo desenvolvimento da atividade agropecuária.

O modelo atual de reforma agrária em curso no país, baseado na desapropriação, é inexequível, portanto, para formar estoques de terras destinadas à distribuição. Insistir exclusivamente nele significa agravar o estado de tensão no campo, pois do outro lado estão proprietários que se acham permanentemente ameaçados de invasão e, portanto, dispostos a se defender, inclusive pelas armas. Esse é um risco que não pode persistir.

Atente-se, também, para o fato de que a realidade nacional hoje é bastante diferente daquela que imperava ao tempo que marcou o nascimento do MST e de sua política reformista. Não se pode negar a inexorabilidade do esvaziamento do campo; não se pode desconhecer que a agropecuária hoje praticada passou há muito da subsistência para a dos negócios de abastecimento interno e da exportação; não se pode esquecer que, nos dias atuais, mais do que nunca, o agronegócio é um dos principais sustentáculos do desenvolvimento brasileiro.

Assim, na medida em que fazer a reforma agrária nos moldes preconizados pelo MST representa, ao mesmo tempo, uma séria ameaça à estabilidade do setor e à paz social. Logo, há de se lançar uma visão mais pragmática sobre a questão, desprovida dos condimentos de caráter político-ideológico nos quais o MST ainda insiste. Que se reconheça a função social da terra e recaia sobre quem não a cumpre os dispositivos legais que levam à desapropriação. Mas que se busquem também soluções alternativas para o problema, de tal forma que o drama social do sem-terra seja superado sem que se afronte a lei, a ordem, o direito de propriedade, que não fique restrito apenas à promoção de desapropriações.

0 COMENTÁRIO(S)
Deixe sua opinião
Use este espaço apenas para a comunicação de erros

Máximo de 700 caracteres [0]