A emergência da crise aérea pôs a nu a fragilidade da Agência Nacional da Aviação Comercial (Anac), organismo que, com autonomia e independência, deveria fiscalizar o setor e atuar preventivamente para evitar o extremo de balbúrdia a que todo o país, abalado com duas tragédias, assiste há quase um ano. Da constatação de que a agência falhou no cumprimento de seu papel, nasceram sérias dúvidas quanto à utilidade e ao próprio modelo brasileiro de regulação do mercado de serviços públicos essenciais.
A questão está sendo debatida em todos os meios da sociedade civil e também no Congresso Nacional, onde tramita em regime de urgência o projeto de lei 3337/04, encaminhado pelo Executivo. Ao contrário de fortalecer as agências reguladoras, a proposta transfere para os ministérios determinadas atribuições que hoje se encontram legalmente na esfera de competência das agências, como a outorga ou extinção de direito de explicação de serviços públicos.
Trata-se de mais uma tentativa do governo federal de debilitar estes organismos. Para a consecução deste mesmo fim, tem sido prática constante a adoção de outras medidas infelizes, como, por exemplo, nomeações de diretores pautadas exclusivamente por critérios políticos um comportamento revelador da visão estreita do governo em relação aos princípios que, em todo o mundo desenvolvido, fundamentam a existência das agências.
Neste sentido, são mais emblemáticos os casos da Anac sobre cujos diretores pesam evidências de desídia e de espúrias ligações com as companhias aéreas que deveria fiscalizar com rigor e da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Em ambos, perpetrou-se a indicação de diretores em razão de apadrinhamento político em vez de nomeações que levassem em conta a vivência no setor e o conhecimento técnico dos escolhidos. A lição da Anac não foi aprendida, pois ainda anteontem deu-se a indicação político-partidária do ex-ministro dos Esportes, Agnelo Queiroz, para a Anvisa, a despeito de seu mais que improvável conhecimento de assuntos atinentes à vigilância sanitária.
Esclarece-se, desta forma, que o infeliz entendimento prevalecente no processo de escolhas é de que as agências não são um órgão de Estado, mas de governo, e devem ser administradas segundo a ótica e ao sabor dos interesses ocasionais das transitórias estruturas do poder político. O que, obviamente, leva a outra conseqüência maléfica qual seja, a de que os diretores desses organismos, embora detentores de mandatos definidos no tempo, possam ser a qualquer momento removidos de suas funções.
Sem dúvida, tal entendimento constitui uma notável conspurcação dos princípios que embasam a existência das agências reguladoras, dentre os quais o de defesa do consumidor e, em contrapartida, o da fixação de claros marcos regulatórios para o mercado, dando a este segurança jurídica e previsibilidade fatores essenciais para a atração e prosperidade dos investimentos. Para tanto, precisam os diretores ser protegidos pela inamovibilidade para que tenham condições de exercer com independência e autoridade o papel que lhes cabe.
Espera-se que o Congresso, diante do cenário que se tornou conhecido a partir da crise aérea, ao discutir o projeto governamental de reforma das agências reguladoras, inverta o processo de enfraquecimento a que estão submetidas. Na verdade, obedecidos critérios que preservem o caráter técnico e a autonomia, tais organismos precisam ter recomposta sua autoridade.