Pela segunda vez consecutiva, Emmanuel Macron (do República Em Marcha) e Marine Le Pen (do Reagrupamento Nacional, antiga Frente Nacional) disputarão a presidência da França, passando para o segundo turno das eleições realizadas neste mês de abril. Macron, o atual presidente, terminou o primeiro turno com uma vantagem de 4,7 pontos porcentuais sobre Le Pen, ampliando a vantagem de 2,7 pontos da eleição de 2017. No entanto, se cinco anos atrás o atual incumbente venceu o segundo turno com dois terços dos votos, desta vez a disputa será muito mais acirrada – as pesquisas ainda apontam Macron como o provável vencedor, mas por uma margem muito menor.
A votação ligeiramente maior de Macron em 2022 na comparação com 2017 não anula completamente o fato de que, se antes ele se apresentava como uma novidade, dissociando-se do então presidente, François Hollande, do qual fora ministro por dois anos, agora ele é a principal vidraça do país, tendo inclusive enfrentado a revolta dos “coletes amarelos” em 2018. Sua presidência não chegou a empolgar o eleitorado mais jovem e mais pobre, que ainda se sente esquecido apesar da melhora em indicadores econômicos. Temas como o custo de vida, aliás, se tornaram mais frequentes no discurso de Le Pen, antes dominado por questões como a imigração e a identidade nacional francesa. Curiosamente, talvez em um sinal do quanto os extremos políticos têm em comum, Le Pen – que não se encaixa muito bem no rótulo de “liberal na economia e conservadora nos costumes”, já que defende aborto legal, protecionismo e mais gasto estatal – deve abocanhar cerca de um quinto dos votos do terceiro colocado, o radical de esquerda Jean-Luc Mélenchon, da França Insubmissa, apesar de ele ter dito claramente que não gostaria de ver nenhum de seus eleitores apoiando a candidata do Reagrupamento Nacional.
Enquanto os partidos tradicionais mantêm sua capilaridade, faltando-lhe talvez um grande nome para uma eleição nacional, legendas como Em Marcha, Reagrupamento Nacional e França Insubmissa dependem muito de seus líderes, faltando-lhes quadros que repitam o desempenho nos governos locais
Em comum, os três primeiros colocados têm o fato de não pertencerem às legendas tradicionais francesas. Macron e Mélenchon fundaram seus partidos – o personalismo é tamanho no caso do República Em Marcha que as iniciais do nome pelo qual o partido é mais conhecido, apenas “Em Marcha”, são as mesmas do atual presidente; Marine Le Pen é filha do criador e primeiro líder da Frente Nacional, Jean-Marie Le Pen. O Partido Socialista, uma das grandes forças da política francesa por décadas, já tinha naufragado em 2017 quando Benoît Hamon terminou o primeiro turno com 6,4% dos votos; desta vez, Anne Hidalgo, apesar da visibilidade como prefeita de Paris, saiu-se ainda pior, com 1,7%, antepenúltima colocada entre 12 candidatos. A centro-direita, representada pelos Republicanos – partido herdeiro da União pelo Movimento Popular, dos ex-presidentes Jacques Chirac e Nicolas Sarkozy –, não foi muito melhor. Cinco anos atrás, François Fillon quase foi ao segundo turno, com 20% dos votos, mas em 2022 Valérie Pecresse ficou em um distante quinto lugar, recebendo 4,78% dos votos.
No entanto, como lembrou o colunista da Gazeta Filipe Figueiredo, é prematuro falar no fim dos partidos tradicionais franceses. Republicanos e socialistas têm bom desempenho em eleições regionais, governando 15 das 18 regiões francesas, contra uma do Em Marcha (o arquipélago caribenho de Guadalupe) e nenhuma do Reagrupamento Nacional. Seria mais adequado, portanto, falar em dois fenômenos inversos: enquanto os partidos tradicionais mantêm sua capilaridade, faltando-lhe talvez um grande nome para uma eleição nacional, legendas como Em Marcha, Reagrupamento Nacional e França Insubmissa dependem muito de seus líderes, faltando-lhes quadros que repitam o desempenho nos governos locais. No Poder Legislativo, republicanos e socialistas são as duas principais forças do Senado (que será renovado em 2023) e, embora o Em Marcha tenha quase metade da Assembleia Nacional, que realiza eleições em junho deste ano, os partidos mais extremistas têm bancadas pequenas.
Até por isso é provável que as forças mais ao centro nos governos regionais e no parlamento acabem servindo de contrapeso a qualquer plataforma mais extremista em caso de uma eventual vitória de Le Pen. No entanto, o mais provável no momento ainda é a repetição, embora com menor intensidade, do voto em Macron não como demonstração de entusiasmo pelo atual presidente, mas como forma de barrar a ascensão da candidata do Reagrupamento Nacional.
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