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Franceses vivendo na Suíça observam cartaz do Reagrupamento Nacional em local de votação, no primeiro turno das eleições parlamentares.
Franceses vivendo na Suíça observam cartaz do Reagrupamento Nacional em local de votação, no primeiro turno das eleições parlamentares.| Foto: Laurent Gillieron/EFE/EPA

Quaisquer que fossem os planos do presidente da França, Emmanuel Macron, quando resolveu dissolver a Assembleia Nacional – a câmara baixa do parlamento francês – e convocar novas eleições, eles estão sendo um fracasso retumbante até o momento. Seu grupo político, o Ensemble, teve 20% dos votos no primeiro turno das eleições parlamentares, ficando apenas em terceiro lugar, atrás do Reagrupamento Nacional (RN), a direita nacionalista liderada por Marine Le Pen, que recebeu 33% dos votos; e dos esquerdistas da Nova Frente Popular (NFP), que tiveram 28%.

Os 577 deputados franceses são escolhidos em um sistema de dois turnos. Cada círculo eleitoral elege um candidato – se, no primeiro turno, alguém conquistar a maioria absoluta de votos válidos, ficando também acima de 25% do eleitorado total do círculo (o voto na França é facultativo), já está automaticamente eleito: foi o que aconteceu com 37 candidatos do RN e aliados, 32 da NFP, 3 dos Republicanos (de centro-direita) e aliados, e apenas 2 do Ensemble. O segundo turno, marcado para o próximo domingo, será disputado em 501 círculos: em cada um deles, concorrem os dois candidatos mais votados, além de qualquer candidato do terceiro lugar em diante que tenha conseguido ao menos 12,5% dos votos válidos. Se não houver nenhuma desistência, haverá segundo turno entre três ou até quatro candidatos em 311 círculos, uma situação sem precedentes.

O Reagrupamento Nacional e a Nova Frente Popular, embora tenham visões radicalmente opostas em temas como o conflito palestino-israelense, são mais parecidos entre si do que gostariam de admitir

Neste cenário, o RN desponta como o provável vencedor do pleito: os candidatos apoiados pela direita estarão na disputa em 485 círculos, e foram os mais votados no primeiro turno em 297 deles – se confirmarem o favoritismo, o RN teria a maioria absoluta da Assembleia Nacional, para a qual são necessários 289 assentos. Os esquerdistas da NFP foram ao segundo turno em 446 círculos, mas liderando em apenas 157. Por fim, o Ensemble segue na disputa em 319 círculos, com somente 69 candidatos em posição de liderança. Esses números indicam que, mesmo sem conseguir a maioria absoluta, o RN conseguirá até triplicar sua presença atual na Assembleia Nacional, que hoje é de 88 deputados. Já o macronismo, que hoje tem 250 deputados, encolherá drasticamente, repetindo o que ocorrera com o Partido Socialista (hoje coadjuvante da França Insubmissa na NFP) e com os Republicanos em eleições anteriores.

A situação forçará Macron, seus aliados e outros grupos políticos mais ao centro a jogar um xadrez bastante complexo. Abandonar disputas sem chance de vitória para tentar conter o RN pode entregar à esquerda mais cadeiras que o presidente gostaria de ver nas mãos da NFP. Uma opção seria administrar desistências caso a caso para que nem a direita, nem a esquerda consigam vitórias significativas, criando um impasse na formação de maioria parlamentar e levando seus líderes a fazer concessões ao centro. Não se descarta, ainda, a hipótese – levantada assim que Macron dissolveu a Assembleia Nacional – de que o presidente queira deixar o Legislativo nas mãos de Le Pen e Jordan Bardella (que seria o primeiro-ministro em uma maioria do RN) para, nas próximas eleições, recuperar capital político culpando a direita por tudo o que der errado de agora em diante.

O fato é que RN e NFP, embora tenham visões radicalmente opostas em temas como o conflito palestino-israelense, são mais parecidos entre si do que gostariam de admitir. Não se pode dizer, por exemplo, que o grupo de Marine Le Pen seja conservador do ponto de vista moral, nem liberal na economia: a inserção do direito ao aborto na Constituição francesa teve o apoio da maioria dos deputados da RN, e o partido defende abertamente políticas protecionistas, com ainda mais barreiras e tarifas para produtos estrangeiros – uma plataforma que pode enterrar o acordo comercial entre Mercosul e União Europeia. Os esquerdistas também querem elevar a carga tributária e o protecionismo, e ambos os grupos defendem ampliação de gastos públicos e a reversão de uma recente reforma previdenciária, que elevou a idade mínima para a aposentadoria.

Isso significa que, independentemente da configuração final da Assembleia Nacional e do nome do novo primeiro-ministro – que, no sistema semipresidencialista francês, tem menos poderes que premiês de regimes parlamentaristas clássicos como o britânico ou o alemão –, o populismo já é o grande vencedor destas eleições, estando na raiz dos dois grupos mais votados neste último domingo. Políticos de centro, analistas e formadores de opinião têm sido incapazes de compreender este fenômeno, preferindo o simplismo dos rótulos, especialmente quando dirigidos à direita, e ignorando que, ao lado de uma dose de oportunismo político – os brasileiros conhecemos bem as consequências de governos gastadores –, há muitas demandas legítimas do eleitor que os grupos políticos tradicionais vêm se recusando a ouvir e contemplar.

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