No início de outubro, a agência de classificação de risco Moody’s surpreendeu o mercado financeiro ao elevar a nota da dívida brasileira, deixando o país a apenas um nível de recuperar o “grau de investimento”, o desejado selo de bom pagador. A surpresa derivou tanto do timing do anúncio, após um encontro com Lula e Fernando Haddad em Nova York, quanto dos fundamentos invocados para a decisão, considerados frágeis – tão frágeis que, ato contínuo, as outras duas grandes agências, Fitch e Standard and Poor’s, vieram a público avisar que não viam razão alguma para elevar a nota brasileira, nem sequer mudando a perspectiva da nota atual de estável para positiva. Aos poucos, os dados vão mostrando que os investidores sabem quem está com a razão.
Há fortes chances de o Brasil terminar 2024 com mais um “nunca antes na história deste país” – no caso, nunca antes tantos dólares saíram do Brasil por meio da chamada “conta financeira”. No fim de setembro, a retirada somava US$ 52,4 bilhões, faltando apenas US$ 2 bilhões para bater o recorde de 2020, ano em que estourou a pandemia de Covid-19. O retrospecto é preocupante, já que tradicionalmente o último trimestre é época de mais fuga de dólares por esse meio: a média histórica medida pelo Banco Central desde 1982 é de uma saída de US$ 5,2 bilhões, mas nos últimos três anos ela subiu para R$ 11,2 bilhões. O que vem salvando a pátria e impedindo uma depreciação ainda maior do real é a conta comercial, com uma entrada de dólares que compensa e supera a fuga da conta financeira.
As razões mais profundas da fuga de dólares nem são muito difíceis de encontrar: basta olhar para a forma como o governo trata a questão fiscal
A fuga de dólares em 2024 tem um fator novo, é verdade: segundo o jornal Valor Econômico, criptoativos e “serviços recreativos” (rubrica que inclui desde sites de apostas, as “bets”, até o pagamento de streamings) respondiam por uma saída de US$ 14,7 bilhões de janeiro a agosto deste ano. No entanto, isso equivale a apenas 30% da fuga total de dólares pela conta financeira. As razões mais profundas do fenômeno estão em outro lugar, e nem são muito difíceis de encontrar: basta olhar para a forma como o governo trata a questão fiscal, o que leva a indicadores como o aumento da dívida pública e a inflação, que segue rondando o limite máximo de tolerância da meta estabelecida pelo Conselho Monetário Nacional.
Marcus Pestana, diretor-executivo da Instituição Fiscal Independente, vinculada ao Senado, afirmou, em entrevista publicada na segunda-feira, que o governo Lula “está sinalizando que já abandonou perseguir o centro da meta”, em referência ao objetivo de zerar o déficit fiscal este ano, previsto no arcabouço elaborado pelo próprio governo. O déficit primário acumulado de janeiro a agosto de 2024 já estourou os R$ 100 bilhões, e Pestana acredita que o buraco real em 2024 será de 0,8% do PIB – no papel, será menor porque várias despesas têm sido excluídas dos cálculos para efeito de cumprimento da meta. Nesta terça-feira, foi a vez de o ministro Haddad reconhecer que, da forma como as contas públicas estão sendo tratadas, o arcabouço não se sustenta. Mas o discurso do ministro ainda dá a entender que, para ele, o verdadeiro problema estaria no fato de o governo estar arrecadando pouco, e não gastando demais – um exemplo é a mania de culpar o Congresso pela falta de “equilíbrio fiscal” devido ao imbróglio da reoneração da folha de pagamento de empresas e pequenos municípios.
O investidor enxerga essa insistência do governo em seguir arrancando mais e mais dinheiro dos brasileiros e do setor produtivo, enquanto gasta cada vez mais e também incentiva a sociedade a gastar, e responde reduzindo sua confiança nos ativos brasileiros. O Banco Central enxerga essa política fiscal expansionista e responde com a única ferramenta que tem: uma política monetária contracionista, elevando os juros. Não surpreende que, hoje, os papéis brasileiros mais atrativos incluam os títulos da dívida pública atrelados ao IPCA, pagando juros reais que se aproximam dos 7% ao ano.
E pensar que o Brasil estava em uma posição privilegiada para atrair capital. Com outros emergentes fora do jogo pelos mais diversos problemas – como a instabilidade institucional mexicana, a superinflação turca e a exclusão da Rússia devido à sua guerra de agressão contra a Ucrânia –, bastaria ao Brasil fazer a lição de casa com um capricho mínimo para se beneficiar, mesmo com os juros norte-americanos ainda altos. Mas nem isso Lula, Haddad e o PT foram capazes de entregar.
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