Ainda que o presidente Lula já não use tanto a frase como fazia em sua primeira passagem pelo Planalto, seu governo acaba de registrar mais um “nunca antes na história desse país”. Os presídios federais de segurança máxima, que existem desde 2006, nunca haviam registrado uma fuga sequer – até a manhã da última quarta-feira, quando dois bandidos do Comando Vermelho escaparam da penitenciária federal de Mossoró, no Rio Grande do Norte. Até a tarde deste domingo, eles ainda não haviam sido recapturados apesar da enorme mobilização de policiais que procuram os foragidos.
Rogério da Silva Mendonça (apelidado de Querubim, Chapa, Cabeça de Martelo ou Martelo) e Deibson Cabral Nascimento (Tatu, Deisinho ou Deicinho) somam 155 anos de pena de prisão por assaltos a mão armada e haviam sido recentemente transferidos do Acre, apontados entre os líderes de uma rebelião que terminara com cinco mortos naquele estado. Ambos estavam no Regime Disciplinar Diferenciado (RDD), que tem regras mais rígidas que as do regime fechado. Com 204 vagas, o presídio de Mossoró estava com lotação inferior a 50%, e contava com 230 agentes penitenciários no fim do ano passado, uma proporção de quase três agentes por prisioneiro. Mesmo assim, as circunstâncias da fuga parecem não validar a qualificação de “segurança máxima”, pois os dois criminosos não precisaram escapar de forma muito cinetmatográfica ou espetacular – pelo contrário, foi uma fuga “que custou muito barato”, na descrição do novo ministro da Justiça, Ricardo Lewandowski.
Se o Estado já não consegue nem conter os bandidos em presídios ditos “de segurança máxima”, sem superlotação, onde teoricamente a vigilância humana e eletrônica é reforçadíssima, que garantias ele pode dar ao cidadão comum?
Luzes que deviam estar acesas estavam apagadas; câmeras que deveriam estar varrendo todo o presídio não estavam funcionando normalmente – e agora alguém haverá de perguntar que tipo de problema especial o Ministério da Justiça de Lula 3 tem com câmeras, já que elas parecem nunca estar cumprindo sua função quando mais se precisa delas –; os materiais de uma obra na penitenciária não estavam devidamente armazenados e foram usados pela dupla para fazer um buraco nas celas e usar um túnel de serviço, depois transpondo um tapume de metal e usando um alicate para cortar grades e finalmente escapar. Como se tudo isso já não fosse um enorme absurdo, Lewandowski ainda acrescentou um insulto adicional à inteligência do brasileiro afirmando que a dupla de bandidos ainda se beneficiou de um timing perfeito, já que no carnaval “as pessoas estavam mais relaxadas”. Os agentes só deram pela falta dos presos quase duas horas depois que eles haviam escapado.
Segurança pública nunca foi o forte do PT – basta observar os índices de violência naqueles estados onde o partido tem governado por mais tempo, já que a maior parte da responsabilidade pela segurança é dos governos estaduais. Há, aqui, uma mistura de incompetência pura e simples com uma ideologia que associa automaticamente pobreza e criminalidade, enxergando bandidos como “vítimas” de uma “sociedade capitalista excludente” e não como pessoas que fazem, de forma livre, escolhas objetivamente erradas – e, neste sistema, as polícias acabam sempre demonizadas, já que sua missão é justamente reprimir os atos dessas “vítimas da sociedade”. Mas ao menos o sistema de penitenciárias de segurança máxima vinha funcionando decentemente mesmo durante as presidências petistas. Ser transferido para um desses presídios – e, pior ainda, ir para o RDD – era algo que qualquer chefão do crime organizado temia, pois isso representaria o fim de sua capacidade de articular ações de dentro dos muros de uma penitenciária, algo que eles fazem com facilidade em cadeias estaduais.
Essa confiança, no entanto, foi colocada em xeque com a fuga em Mossoró. Se o Estado já não consegue nem conter os bandidos em presídios ditos “de segurança máxima”, sem superlotação, onde teoricamente a vigilância humana e eletrônica é reforçadíssima, que garantias ele pode dar ao cidadão comum? Por isso, recapturar os fugitivos e rever todos os protocolos dos cinco presídios federais para evitar novas fugas, inclusive de chefões do tráfico como Fernandinho Beira-Mar (que também está em Mossoró) ou Marcola (que está na penitenciária federal de Brasília) é o mínimo do mínimo a ser feito; o ideal é tratar a segurança pública como prioridade, estrangular financeiramente o crime organizado, rever o arcabouço legal que facilita a vida dos bandidos pequenos e graúdos. Mas os petistas no governo e os garantistas no Judiciário estariam dispostos a isso?