Na contramão da fome por dinheiro público que caracteriza os partidos brasileiros, especialmente depois que o Supremo Tribunal Federal determinou o fim das doações de pessoas jurídicas, há quem ainda prefira, por princípio, abrir mão de verbas do contribuinte brasileiro; é o caso de ao menos um partido, o Novo, e também de políticos que, mesmo pertencendo a legendas que usam o dinheiro, preferem fazer suas campanhas sem esses recursos. A eleição de 2018 mostrou que isso era possível, e vários candidatos conquistaram vitórias expressivas sem um centavo do bilionário fundo eleitoral criado em 2017, incluindo Jair Bolsonaro e Romeu Zema, eleitos respectivamente presidente da República e governador de Minas Gerais.
O pleito de 2022, no entanto, veio como um balde de água fria: o Novo, por exemplo, um dos partidos “vitimados” pela polarização entre Bolsonaro e Lula, viu sua bancada na Câmara cair de oito para três deputados federais, embora Zema tenha sido reeleito e a legenda agora também tenha um senador (o cearense Eduardo Girão, egresso do Podemos). Além do Novo, outras 13 legendas ficaram abaixo do limite mínimo estipulado pela cláusula de barreira implantada anos atrás no Brasil. Os candidatos eleitos por esses partidos não são impedidos de assumir (ao contrário do que acontece em outros países, com cláusulas mais severas), mas o partido perde acesso aos fundos públicos, à propaganda partidária gratuita em rádio e televisão, e a outras benesses como cargos e gabinetes de liderança, limitação que algumas legendas tentam superar com fusões e “federações”.
Não faz o menor sentido que o contribuinte brasileiro seja forçado a bancar partidos, candidatos e campanhas, que deveriam ser sustentados apenas por seus filiados, ou por aqueles que acreditem em seu ideário
Tornou-se lugar comum na análise política brasileira dizer que há partidos demais no Brasil. No entanto, o problema é outro, bem diverso. A rigor, constituir um partido deveria ser tão simples quanto abrir uma empresa ou uma ONG. Se um grupo de pessoas com um ideal em comum julga que o melhor caminho para fazer prosperar este ideal é o da política, não deveria encontrar dificuldades para criar um partido e submeter seus candidatos à preferência do eleitor. No entanto, é evidente que qualquer tipo de benesse bancada com recursos públicos deveria ser concedida apenas aos partidos que se mostrassem bem-sucedidos na urna a ponto de representar uma fatia significativa do eleitorado – é o que a cláusula de barreira (também chamada “cláusula de desempenho”) faz.
No entanto, o Brasil inverte completamente essa lógica. Fundar um partido é uma tarefa hercúlea que exige uma burocracia sem fim, a ponto de personalidades tão distantes entre si no espectro político quanto Bolsonaro e a hoje ministra Marina Silva terem tido enormes dificuldades para lançar legendas – a Aliança pelo Brasil de Bolsonaro jamais decolou, e Marina levou anos para conseguir o registro da Rede Sustentabilidade. Mas, para os partidos que superavam a dificuldade inicial, abria-se um mundo de facilidades e acesso irrestrito a recursos públicos, gerando um incentivo ao hiperpartidarismo, pois ser um cacique partidário, ainda que nanico, era um ótimo negócio – ao menos até a implantação da cláusula de barreira, que, se por um lado trouxe alguma disciplina mínima ao que antes era pura farra com dinheiro do contribuinte, por outro afundou uma discussão muito necessária.
Ainda que sobrasse dinheiro nos cofres do governo (o que está longe de ser o caso), não faz o menor sentido que o contribuinte brasileiro seja forçado a bancar partidos, candidatos e campanhas – que ele, muitas vezes, rejeita ou até abomina. Esses entes políticos, por mais importantes que sejam para o processo democrático, deveriam ser sustentados apenas por seus filiados, ou por aqueles que acreditem em seu ideário. Isso faz dos dois fundos públicos, o partidário e o eleitoral, verdadeiras anomalias que deveriam ser extirpadas, e é lamentável (embora bastante previsível) que os parlamentares não tenham dado força alguma a iniciativas que pretendessem extinguir os fundos, como tentara o ex-deputado federal Paulo Martins ao buscar assinaturas para uma PEC neste sentido. A cláusula de barreira, embora importante, acaba se tornando assim um “prêmio de consolação” para quem defenda o fim do financiamento público de campanha, oferecendo como boi de piranha os partidos pequenos, entre os quais há tanto legendinhas de aluguel quanto entidades com identidade bastante consistente e definida do ponto de vista ideológico (concorde-se ou não com ela), e que têm seu lugar no jogo democrático.
O fim do financiamento público de campanha, além de permitir que recursos públicos escassos sejam melhor direcionados, forçaria os políticos e seus partidos a se aproximar dos seus eleitores e mostrar-lhes que merecem não apenas seu voto, mas seu apoio, inclusive financeiro; e encerraria o estímulo à constituição de partidos políticos apenas para fazer parte de um balcão de negócios. Esta é uma luta que não pode ser abandonada se queremos um sistema partidário menos disfuncional, atacando os verdadeiros problemas sem se dar por satisfeito com medidas que, embora corretas, são paliativas.