A experiência das eleições municipais de 2016 marcou a classe política. Aquele foi o primeiro pleito depois que o Supremo Tribunal Federal havia declarado inconstitucionais as doações de pessoas jurídicas, em 2015. Como resultado, a torneira secou: a despesa total dos candidatos naquele ano não chegou nem à metade do que havia sido gasto quatro anos antes, em 2012 – embora outros fatores também tenham ajudado a reduzir o custo da campanha, como o período menor de propaganda.
Os políticos chegaram à conclusão de que não seria possível continuar a fazer campanha eleitoral nessa penúria, e concluíram que era preciso mudar. Não para melhor, infelizmente: em vez de aprender a fazer campanhas mais enxutas, eles decidiram tomar mais dinheiro do contribuinte, aprovando um bilionário megafundo eleitoral que se somaria ao já existente Fundo Partidário – ambos, somados, corresponderam a R$ 2,6 bilhões neste ano de 2018. O valor não seria suficiente para compensar as perdas das doações empresariais, mas já era alguma coisa.
Mas, entre as inúmeras coisas que a eleição de 2018 ensinou aos políticos e candidatos, está a lição de que não é preciso arrancar dinheiro do contribuinte para ter sucesso nas urnas: os casos de maior êxito desta eleição abriram mão do dinheiro público. Jair Bolsonaro se elegeu para a Presidência da República sem usar um centavo do fundo eleitoral, bem como outros 37 deputados e três senadores do PSL. E o Novo, partido estreante, tem por princípio não ser bancado por recursos públicos, o que não o impediu de eleger oito deputados federais e o governador do segundo maior colégio eleitoral do país – Romeu Zema, em Minas Gerais.
O contribuinte é forçado a bancar partidos, políticos e campanhas com os quais não concorda, e dos quais pode até sentir repulsa
Bolsonaro, a maior parte da bancada do PSL e o Novo são exemplos de que é possível fazer campanhas bem-sucedidas contando apenas com as próprias forças. Mas eles não foram os únicos: segundo levantamento do jornal O Estado de S.Paulo, outros seis senadores e 48 deputados federais também conquistaram mandatos sem usar o dinheiro do contribuinte. São casos em que a procura por soluções inovadoras para se comunicar com o eleitorado, especialmente graças ao uso das mídias sociais, rendeu bons frutos sem que fosse necessário espoliar o pagador de impostos.
E, para completar o quadro, o dinheiro dos dois megafundos públicos foi empregado com uma baixíssima taxa de sucesso. Segundo o mesmo levantamento, escassos 11,62% dos candidatos que usaram recursos do fundo eleitoral conseguiram se eleger: foram 420 postulantes à Câmara e 45 ao Senado. Alguém haverá de argumentar que os números mostram a importância do fundo eleitoral, pois a taxa de “sucesso” daqueles que não contaram com recursos públicos em suas campanhas foi de meros 2%, quase seis vezes menor, ou seja, melhor contar com esse dinheiro que ficar sem ele. Mas essa é uma leitura enviesada e incompleta dos dados; olhá-los em sua totalidade ajuda a compreender o tamanho do problema.
Fica evidente, por exemplo, que o fundo eleitoral é fonte de desigualdade e alimenta o caciquismo partidário, já que há partidos em que alguns candidatos recebem o recurso enquanto os colegas de chapa precisam se virar por conta própria – os dados do Estadão mostram que apenas 44,7% dos candidatos – ou seja, menos da metade – receberam algum tipo de ajuda do fundo eleitoral. Além disso, o uso do dinheiro público esteve longe de garantir a vaga até mesmo para quem se fartou dele. O que Dilma Rousseff (PT-MG, R$ 4 milhões), Romero Jucá (MDB-RR, R$ 2,5 milhões), Lúcia Vânia (PSB-GO, R$ 3,5 milhões), Cássio Cunha Lima (PSDB-PB, R$ 1,6 milhão), Danielle Cunha (MDB-RJ, R$ 2 milhões) e Cristiane Brasil (PTB-RJ, R$ 1,8 milhão) têm em comum? Todos usaram mais de R$ 1 milhão do fundo eleitoral e fracassaram nas urnas.
Ainda que a cláusula de barreira tenha colocado um mínimo de ordem na casa, condicionando o acesso aos fundos públicos a um desempenho nas urnas que indique alguma representatividade, a existência dos dois fundos, o partidário e o eleitoral, continua a ser uma aberração. O contribuinte é forçado a bancar partidos, políticos e campanhas com os quais não concorda, e dos quais pode até sentir repulsa. As legendas deveriam ser financiadas apenas por aqueles que acreditam em suas plataformas e compartilham do seu ideário, e aprender a fazer campanhas condizentes com o valor que seus filiados e apoiadores colocarem à sua disposição.
O chefe da equipe econômica de Bolsonaro, Paulo Guedes, tem defendido um combate ao déficit que inclua a redução de privilégios e desperdícios. Ele faria bem em olhar para os dois megafundos, que em 2018 consumiram o equivalente a 2% do déficit primário previsto para o ano, de acordo com a mais recente estimativa do governo.