De forma surpreendente, uma ofensiva veloz conseguiu o que mais de dez anos de guerra civil tinham falhado em obter: a queda do ditador Bashar al-Assad, que governava a Síria com mão de ferro desde 2000, tendo herdado o poder após a morte de seu pai, Hafez al-Assad, cujo governo durou quase três décadas. A deposição de um violador contumaz de direitos humanos, capaz até mesmo de usar armas químicas contra a própria população, é um alívio para boa parte da população síria; no entanto, também há boas razões para receio, já que os responsáveis pela derrubada do ditador – agora refugiado na Rússia, ao que tudo indica – não têm fama de serem melhores que o antigo mandatário.
A coalizão rebelde liderada pelos jihadistas da Organização pela Libertação do Levante (HTS, na sigla em árabe) se aproveitou do enfraquecimento dos principais fiadores da manutenção de Assad no poder: a Rússia, ocupada com a invasão da Ucrânia; o Hezbollah, fustigado severamente por Israel; e o Irã, que também se vê às voltas com os israelenses após a recente troca de ataques diretos entre ambos os países. Alguns desses antigos aliados, sentindo a mudança dos ventos, já ensaiam o discurso de que não eram tão chegados a Assad – é o caso do próprio Irã e dos terroristas do Hamas.
O estabelecimento de uma democracia digna do nome na Síria é uma esperança remota, especialmente em uma região onde tais regimes são tão raros
Na terça-feira, os vitoriosos escolheram um político, Mohamed al-Bashir, como novo primeiro-ministro da Síria, encarregado de montar um governo provisório que deve durar até março de 2025. Até então, Bashir chefiava a administração da província de Idlib, que já estava sob controle do HTS havia algum tempo. Em Idlib, o grupo tentou mostrar uma face tolerante, sem perseguições às minorias cristã e alauíta (uma vertente do islamismo à qual pertence o ex-ditador Assad). Mas é neste momento, em que o HTS chega ao poder em nível nacional, é que o mundo saberá se a tolerância era real ou se não passava de mera fachada para angariar simpatia a um grupo que é considerado terrorista por países do Ocidente e também do mundo árabe, que já teve ligações com a al-Qaeda e que tem um histórico de brutalidade.
Sem definição sobre o futuro da Síria, e cientes de que o único vencedor claro até agora é a Turquia de Recep Tayyip Erdoğan, que apoiou o HTS (em um péssimo sinal para a minoria curda em ambos os países), os demais países do Oriente Médio se movimentam. O primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, celebrou a queda de Assad, mas por via das dúvidas tem agido para consolidar a posição israelense nas Colinas de Golã e destruir o que sobrou da capacidade militar síria, inclusive arsenais de armas químicas, para evitar que elas fiquem nas mãos de um futuro governo igualmente hostil a Israel e talvez mais inconsequente que o de Assad. O Irã já estava acelerando seu programa nuclear desde que Israel intensificou suas contraofensivas dirigidas a Teerã e a seus aliados Hamas e Hezbollah; caso os aiatolás percebam que estão cada vez mais isolados, é possível que eles resolvam correr ainda mais em busca de sua bomba atômica, com potencial de desestabilização da região muito maior que qualquer desfecho possível na Síria.
O estabelecimento de uma democracia digna do nome na Síria é uma esperança remota, especialmente em uma região onde tais regimes são tão raros; um desfecho mais provável estaria no extremo oposto: a implantação de um regime terrorista, com direito a “acerto de contas” com a minoria alauíta e perseguição de outras minorias étnicas e religiosas, como curdos e cristãos, resultando em novos banhos de sangue. As possibilidades intermediárias vão de um regime-fantoche da Turquia ao estabelecimento de uma “autocracia eleitoral”, que realiza eleições como mera formalidade para a manutenção de um grupo que, na prática, governa ditatorialmente. Nenhum desses cenários mais plausíveis, no entanto, trará as tão necessárias paz e estabilidade nem aos sírios extenuados após 13 anos de guerra, nem ao Oriente Médio como um todo.
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