Terceira sessão da reunião de cúpula do G20, no Rio de Janeiro.| Foto: Ricardo Stuckert/Presidência da República
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O documento final da reunião de cúpula do G20, encerrada nessa terça-feira no Rio de Janeiro, ficou marcado por acusações de “tratoraço” por parte do Brasil – o negociador francês afirmou que nem ele, nem o presidente Emmanuel Macron chegaram a ver o texto final, mas Lula se apressou para bater o martelo, acabando com qualquer possibilidade de contestação. O evento, que começara sob a sombra do xingamento dirigido pela primeira-dama Janja ao bilionário Elon Musk, termina com o Brasil deixando sua marca no documento final em termos de assuntos caros a Lula; mas, com um grupo de nações tão heterogêneo e de interesses tão distintos, quando não antagônicos, é muito difícil que o texto não passe de mais uma carta de boas intenções, como tantas outras que costumam emergir desses encontros multilaterais.

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Nenhuma pessoa ou governo de bom senso no mundo haverá de ser contrário ao combate à fome, nem à preservação ambiental. O lançamento de uma Aliança Global contra a Fome e a Pobreza é um dos principais “legados” da presidência brasileira do G20, mas a nova iniciativa ainda precisará mostrar serviço para não ter o mesmo destino que várias outras iniciativas contra a fome – até o momento, as certezas são a criação de escritórios e conselhos, e a oferta brasileira para bancar metade dos custos com a governança da nova aliança global. Para dar uma roupagem mais nobre à ambição petista de uma tributação global sobre os super-ricos, o texto incluiu a menção a essa cobrança no capítulo sobre o combate à fome, mas esta é uma iniciativa quase natimorta; o fato de ela ter aparecido em um documento final pela primeira vez na história do G20 não significa que haja consenso a respeito do tema, tanto que a menção foi feita de forma genérica, sem detalhes como alíquotas ou critérios de cobrança.

De ditadores a protecionistas, sempre há alguém disposto a bloquear iniciativas globais quando convém

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Quanto ao meio ambiente, o documento não traz nada de novo: reafirma as metas do Acordo de Paris, insiste para que cada nação siga buscando o objetivo de reduzir suas emissões de gases de efeito estufa para liminar o aquecimento global a 1,5 grau Celsius acima dos níveis pré-industriais, e reclama da falta de financiamento dos países ricos aos países pobres para que consigam atingir as metas. Assim como no caso do combate à fome, a presidência brasileira do G20 termina com a entrega de mais uma estrutura burocrática, a Força-Tarefa para a Mobilização Global contra a Mudança do Clima.

Fora da lista de boas intenções, as únicas menções mais próximas da realidade mundial foras as referências aos dois maiores conflitos da atualidade. Lula e seus aliados nos Brics certamente devem ter ficado muito satisfeitos com a ênfase muito maior dada às ações de Israel na Faixa de Gaza e no Líbano que à invasão russa da Ucrânia. Se no caso do Oriente Médio a declaração menciona a “situação humanitária catastrófica” e pede “o direito palestino à autodeterminação (...) com a visão da solução de dois Estados”, no caso ucraniano não há menção alguma ao respeito às fronteiras pré-invasão russa. O documento até afirma que “todos os Estados devem se abster da ameaça ou uso da força para buscar aquisição territorial contra a integridade territorial e soberania ou independência política de qualquer Estado”, mas esta afirmação genérica está feita em outro parágrafo da declaração final, não aquele referente à guerra na Ucrânia.

O leitor brasileiro atento ainda haverá de identificar as incoerências no fato de um governo petista ter endossado um documento que promete “salvaguardar a sustentabilidade fiscal”, enquanto trabalha para gastar cada vez mais; que fala em “dedicação em liderar pelo exemplo nos esforços globais contra a corrupção” enquanto aplaude o desmonte da Lava Jato; e que afirma que “mobilizar recursos para construir sistemas de água e saneamento sustentáveis e resilientes é essencial para um futuro mais saudável e equitativo para todos” enquanto tentou sabotar o Novo Marco do Saneamento. Mas, sendo atento, este mesmo leitor já sabe há muito tempo que é da essência do petismo que seu discurso seja diametralmente oposto à sua prática.

Como dissemos acima, ninguém há de negar que os objetivos estabelecidos pelo Brasil são importantes – à questão da fome e do meio ambiente, soma-se a chamada “reforma da governança global”, que muitas vezes acaba resumida à ambição brasileira por uma cadeira permanente no Conselho de Segurança da ONU. Também é certo que apenas com sólida cooperação internacional serão resolvidos os desafios que são comuns a toda a humanidade. A eleição de Donald Trump, notoriamente avesso aos fóruns multilaterais, é um bode expiatório fácil para justificar qualquer futuro fracasso das iniciativas do G20 nos próximos quatro anos, mas o fato é que os choques de interesses entre nações já existiam antes que ele tivesse sido eleito pela primeira vez, em 2016, e permaneceram depois que ele perdeu a reeleição em 2020. De ditadores a protecionistas, sempre há alguém disposto a bloquear iniciativas globais quando convém, e só quando tais resistências forem superadas é que fóruns como o G20 conseguirão ir além dos discursos genéricos que marcam seus documentos.

Infográficos Gazeta do Povo[Clique para ampliar]
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