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A sombra do “recesso branco” dos senadores pode atrapalhar a transição no Banco Central. No fim de agosto, o presidente Lula havia indicado o atual diretor de Política Monetária do Banco Central, Gabriel Galípolo, para suceder Roberto Campos Neto à frente da autoridade monetária, mas a Comissão de Assuntos Econômicos do Senado e o governo ainda não se entenderam sobre a data da sabatina pela qual Galípolo tem de passar antes de ter seu nome aprovado pelo Senado. Governistas queriam a sabatina o quanto antes, no máximo até o dia 10; já o presidente da CAE, que classificou como “impossível” a sugestão do governo, sugeriu uma data igualmente impossível: o dia 17, quando Galípolo estaria impedido de falar de política monetária devido à reunião do Copom. A quarentena vai até o dia 24, mas a essa altura os senadores estarão mais preocupados com as eleições municipais de outubro. O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, afirmou no fim da tarde desta quarta que a votação em plenário ocorrerá em 8 de outubro, mas a data da sabatina na CAE ainda está indefinida.
Confirmar Galípolo quatro meses antes do fim do mandato do atual presidente do BC foi um acerto que contribuiria para uma passagem de bastão mais suave, não fosse o impasse atual. Por mais que a substituição seja dada como certa pelo mercado financeiro, sendo altamente improvável que Galípolo acabe barrado, deixar a sabatina para outubro – com mais uma reunião do Copom neste intervalo – acaba anulando parte da tranquilidade trazida pela antecedência do anúncio do nome do sucessor de Campos Neto. De qualquer forma, independentemente da data, não faltam elementos para os senadores prepararem uma sabatina sólida.
Galípolo tem se tornado mais assertivo a respeito do combate à inflação, o que tem sido muito bem recebido pelo mercado, mas não se pode tirar a razão dos mais céticos, que preferem esperar até 2025
Galípolo terá o desafio de manter a credibilidade que o Banco Central reconquistou a duras penas depois da desastrosa passagem de Alexandre Tombini pelo órgão, durante o governo Dilma Rousseff, ocasião em que o BC promoveu um ciclo voluntarista, artificial e insustentável de queda nos juros, voltando a subi-los assim que Dilma conquistou a reeleição, em 2014. Ilan Goldfajn, indicado por Michel Temer em 2016, e Campos Neto, escolhido por Jair Bolsonaro em 2019, receberam reconhecimento internacional na forma de premiações, e o próprio BC foi escolhido “Banco Central do Ano” na edição mais recente do Central Banking Awards. Especialmente notável foi a ação do BC durante a pandemia, quando percebeu as dinâmicas de preços antes de outros países e realizou os ciclos de afrouxamento e aperto monetário na hora certa.
Escolhido por Lula para a diretoria de Política Monetária em maio de 2023, Galípolo chegou ao Banco Central sob um certo manto de incerteza. Já tinha sido presidente de banco e, segundo o ministro Fernando Haddad, a indicação tinha sido sugestão de Campos Neto. Por outro lado, Galípolo também era visto como defensor da chamada Teoria Monetária Moderna (MMT, na sigla em inglês), que, muito resumidamente, propõe um passe livre para políticas expansionistas – em 2022, Galípolo aparecia como um dos responsáveis por um documento que defendia políticas alinhadas com a MMT. No Copom, ajudou a formar unanimidade em sete das nove reuniões de que participou até agora. Em agosto de 2023, esteve no lado vencedor que baixou a Selic em 0,50 ponto porcentual, enquanto a minoria propôs 0,25 ponto – o desempate coube a Campos Neto. Já em maio deste ano, ficou na minoria que desejava uma redução de 0,50 ponto, vencida pela maioria que defendia queda de 0,25 ponto. Esta reunião, especificamente, causou grandes abalos no mercado financeiro pela possibilidade de interferência política, já que os quatro diretores que pretendiam uma redução maior dos juros haviam sido os indicados por Lula.
Desde o episódio de maio, no entanto, Galípolo não apenas passou a votar alinhado com todos os demais membros do Copom nas decisões que mantiveram a Selic – por mais que Lula seguisse insistindo na queda dos juros –, como também se tornou mais assertivo em declarações públicas a respeito do combate à inflação, deixando a porta aberta até mesmo para elevações na Selic se o Copom julgar necessário. Tudo isso tem sido muito bem recebido pelo mercado, mas não se pode tirar a razão dos mais céticos, que preferem esperar até 2025, quando Galípolo assumirá o comando do BC e o número de membros do Copom indicados por Lula terá subido para sete, formando maioria tranquila.
Certo é que Lula não ajudou até agora a puxar a inflação para baixo, e continuará não ajudando, empenhado que está na elevação constante do gasto público. Isso exigirá que o Banco Central siga comprometido em fazer o contraponto ao expansionismo governamental para que a inflação não escape do controle, como tem feito até o momento. Em outras palavras, Galípolo terá de se espelhar muito mais em Campos Neto que em Tombini, o último presidente de Banco Central indicado pelo petismo. E, se levar a sério sua missão, que esteja preparado para se tornar o novo bode expiatório de Lula.
O editorial foi atualizado com a informação que o presidente do Senado pautará a votação em plenário do nome de Galípolo para a sessão de 8 de outubro.
Atualizado em 04/09/2024 às 19:44