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Editorial

Carta sobre inflação é mau começo para Galípolo no BC

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Gabriel Galípolo, indicado por Lula para comandar o Banco Central, assumiu a presidência do BC em 30 de dezembro de 2024. (Foto: Roque de Sá/Agência Senado)

Mal sentou-se na cadeira de presidente do Banco Central, Gabriel Galípolo já teve uma tarefa importante: escrever uma cartinha ao ministro da Fazenda, Fernando Haddad, explicando por que o IPCA de 2024 estourou o limite máximo de tolerância para a meta estabelecida pelo Conselho Monetário Nacional. Enquanto a meta era de 3%, podendo oscilar até 1,5 ponto para cima ou para baixo, a inflação do ano passado foi de 4,83%, superando o indicador do ano anterior, que havia sido de 4,62%. No entanto, a mensagem de Galípolo foi bem camarada; quem a ler sem conhecimento nenhum de tudo o que ocorreu ao longo deste ano ficaria com a impressão de que a responsabilidade pela aceleração da inflação foi de algum fantasma anônimo.

Na primeira parte da carta, intitulada “Causas de a inflação ter ficado acima do limite superior do intervalo de tolerância da meta em 2024”, Galípolo escreveu que “a inflação em 2024 ficou acima do intervalo de tolerância em decorrência do ritmo forte de crescimento da atividade econômica, da depreciação cambial e de fatores climáticos, em contexto de expectativas de inflação desancoradas e inércia da inflação do ano anterior”. Além disso, ao afirmar que modelos macroeconômicos permitem estimar o peso de cada um desses fatores no desvio de 1,83 ponto porcentual em relação à meta de 3%, Galípolo escreveu que a “inflação importada” respondeu por 0,72 ponto porcentual e as “expectativas de inflação”, por 0,30 ponto. O presidente do BC ainda disse que, dentro do grupo “inflação importada”, a desvalorização do real teve efeito de 1,21 ponto porcentual, parcialmente contrabalançado pela queda nos preços internacionais do petróleo.

Galípolo não diz nem uma palavra sobre a necessidade de uma política fiscal responsável por parte do governo

Tudo muito informativo, mas pouco explicativo. Afinal, por que as expectativas de inflação se deterioraram? Por que o real perdeu tanto em relação ao dólar? É no trecho sobre o câmbio que Galípolo se mostra mais esquivo. Diz que “a significativa depreciação cambial decorreu principalmente de fatores domésticos, complementada pela apreciação global do dólar norte-americano”, admite que o real foi a moeda que mais se desvalorizou em 2024, explica de forma objetiva o que levou o dólar a se fortalecer mundialmente, mas os “fatores domésticos” merecem pouco esclarecimento. O presidente do BC apenas afirma que o câmbio foi afetado pela “percepção dos agentes econômicos sobre o cenário fiscal” e que “o processo de depreciação começou em abril de 2024 e se intensificou ao longo do ano”. O leitor que se vire para ligar os pontos.

Galípolo não diz, por exemplo, que abril de 2024 foi quando o governo resolveu afrouxar a meta fiscal de resultado primário para 2025 e 2026, em uma admissão tácita de que não conseguiria (ou, melhor dizendo, não pretendia) colocar as contas em ordem e parar de gastar compulsivamente. O presidente do BC tampouco menciona o pífio pacote fiscal anunciado por Fernando Haddad no fim do ano, e que disparou o último movimento de desvalorização do real em 2024, levando a moeda norte-americana a superar o patamar de R$ 6. O próprio uso do termo “percepção sobre o cenário fiscal” pode dar a entender que os agentes econômicos estivessem agindo de forma impensada, quando na verdade seria mais adequado falar em “reação” dos agentes econômicos à falta de compromisso fiscal do governo Lula. É a mesma explicação – que Galípolo também omite – para que as expectativas de inflação tenham se deteriorado e sigam desancoradas.

E, se o presidente do BC falha em identificar corretamente as causas da inflação bem acima da meta, não tem como acertar ao prescrever as “providências para assegurar o retorno da inflação aos limites estabelecidos”, que constituem a segunda parte da carta. Nem uma palavra sobre a necessidade de uma política fiscal responsável por parte do governo como principal fator capaz de promover a ancoragem das expectativas de inflação, nem sobre a importância de abandonar a estratégia de crescimento pela via do estímulo ao consumo desenfreado.

Galípolo encerra sua mensagem afirmando que “o BC tem tomado as devidas providências para que a inflação atinja a meta” – o que é verdade, para desgosto do petismo. Quem não tem feito sua parte é o governo. Galípolo sabe disso, Haddad sabe disso, talvez até mesmo Lula saiba disso. Mas não colocar essa avaliação no papel, em um documento destinado a explicar por que a inflação está estourando os limites de tolerância, é deixar de apontar os responsáveis pela situação atual; um mau começo para um presidente do BC que já assumiu sob questionamentos a respeito de sua independência em relação ao presidente que o indicou.

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