A terça-feira não poderia ter sido mais tranquila para Gabriel Galípolo, o escolhido de Lula para suceder Roberto Campos Neto na presidência do Banco Central a partir de janeiro de 2025. Pela manhã, o atual diretor de Política Monetária foi sabatinado na Comissão de Assuntos Econômicos do Senado e saiu de lá com o aval de 26 dos 27 membros, e isso apenas porque o presidente da comissão não vota – curiosamente, a votação ocorreu antes mesmo do início das perguntas dos senadores. À tarde também foi tranquila no plenário do Senado, que aprovou a indicação de Galípolo por 66 a 5.
Na sabatina, Galípolo não se complicou nas respostas, dizendo o que a maioria dos senadores (sem falar do mercado financeiro) queria ouvir: que não há risco de interferência do Palácio do Planalto na definição da política monetária, que Lula lhe garantiu “toda a liberdade para fazer o melhor para o país”, e que frustrou quem esperava “grandes disputas e brigas ali dentro [do Copom]”, em referência a possíveis rusgas entre ele e Campos Neto a respeito da taxa de juros. De fato, das dez reuniões de que Galípolo participou desde que começou a integrar a diretoria do BC, ele se alinhou com Campos Neto em nove delas e contribuiu para formar unanimidade em oito – inclusive a última, que elevou a Selic em 0,25 ponto porcentual em meados de setembro. Além disso, Galípolo tem dado uma série de declarações que o jargão econômico chama de “hawkish”, afirmando que não se pode ter medo de subir juros, que atuaram como tranquilizador nas últimas semanas.
Quando Galípolo assumir o comando do BC, o Copom também passará por novas substituições de diretores, com os indicados por Lula tornando-se a maioria
Mas o verdadeiro teste das convicções de Galípolo ainda está por vir. Em janeiro, quando ele assumir o comando do BC, o Copom também passará por novas substituições de diretores, com os indicados por Lula tornando-se a maioria – hoje, eles são 4 de 9 membros do colegiado. Só então o Brasil finalmente saberá se Galípolo manterá a postura atual – e, neste caso, até será possível pensar em um mandato “muito promissor”, como afirmou a Federação Brasileira de Bancos –, ou se teremos de volta o antigo defensor da Teoria Monetária Moderna, um tipo de terraplanismo econômico que valida políticas gastadoras como as que o governo Lula vem colocando em prática. Neste caso, o país precisará de muito mais que o “boa sorte” desejado por Henrique Meirelles, que “fez o L” durante a campanha de 2022 para pular do barco no mês seguinte à eleição, dizendo-se “pessimista” por ver que Lula trilharia o caminho da irresponsabilidade fiscal – algo que qualquer pessoa sensata já percebia muitos meses antes do pleito, mas que Meirelles e outros economistas, como os pais do Plano Real, fizeram questão de ignorar, sabe-se lá por que motivos.
Naquela palestra de novembro de 2022, Meirelles dizia haver 65% de chances de um Lula 3 semelhante aos governos de Dilma Rousseff, e 35% de possibilidade de uma repetição de Lula 1, marcado pelo respeito ao tripé macroeconômico herdado de Fernando Henrique Cardoso. Mais recentemente, outros economistas, como Samuel Pessoa e Márcio Holland (que integrou a equipe econômica de Dilma) têm dito o mesmo. E o descalabro dilmista teve participação direta do Banco Central, que promoveu um ciclo artificial, voluntarista e insustentável de redução de juros sob a gestão de Alexandre Tombini – que não agiu sozinho: as sucessivas reduções na Selic entre 2011 e 2012 não seriam possíveis sem a aprovação de outros diretores membros do Copom.
Nem Lula, nem Fernando Haddad escondem seu desejo de ver a política monetária submetida à política fiscal – uma submissão que eles camuflam com termos como “harmonia”, “integração” e “coordenação”. A realidade, no entanto, é outra: diante de um cenário de economia aquecida, pressão inflacionária e dívida em alta, com o governo levando adiante uma política fiscal expansionista, a política monetária tem necessariamente de ser contracionista, como vem sendo. Sem perspectivas de mudança de curto prazo nem nas condições atuais da economia, nem na postura do governo, será preciso que o BC mantenha o curso atual ao menos por algum tempo. Este é o grande teste pelo qual Galípolo ainda tem de passar.