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A posse de José Genoino na Câmara dos Deputados merece não só o destaque que se lhe dá, como também a repulsa da sociedade. Na verdade, trata-se de um insulto à cidadania e às instituições

Condenado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) por formação de quadrilha e corrupção ativa, crimes pelos quais está sujeito a cumprir pena de 6 anos e 11 meses de cadeia em regime semiaberto, o ex-presidente do PT José Genoino assumiu ontem, na Câmara Federal, uma cadeira de deputado. Depois de seis mandatos consecutivos como parlamentar, sempre com votações expressivas, o eleitorado paulista negou-lhe o antigo prestígio ao dar-lhe no pleito de 2010 uma modesta segunda suplência – suficiente, no entanto, para permitir-lhe agora assumir o mandato em razão da renúncia de um deputado e da licença de outro.

Em condições normais, este não passaria apenas de mais um ato da rotina parlamentar e não teria merecido mais que tímidos registros na imprensa – assim como sucede com 35 suplentes de outros estados a que a Câmara dá posse para ocuparem vagas deixadas por deputados que se elegeram prefeitos em 2012. Pelas circunstâncias nada lisonjeiras que a cercam, a posse de Genoino merece, porém, não só o destaque que se lhe dá, como também a repulsa da sociedade.

Na verdade, trata-se de um insulto à cidadania e às instituições. Embora sob aspectos formais a assunção de Genoino à cadeira parlamentar possa ser tida como legal – já que ainda não se cumpriram todos os atos para caracterizar o trânsito em julgado –, do ponto de vista moral temos diante dos nossos olhos um caso flagrante de alguém que, tendo sido democraticamente julgado e condenado pelo Supremo com base em provas cabais de participação em atos de corrupção, retorna à condição de representante popular.

Releve-se o passado guerrilheiro de José Genoino. Dê-se a ele o respeito devido pelos sofrimentos e torturas que lhe foram infligidos por sua luta contra a ditadura. Entretanto, seu passado heroico não lhe concede prévia anistia ou indulgência plena pelos delitos que cometeu depois, já na plenitude do regime democrático, ao se tornar agente e instrumento consciente para a prática de um dos maiores escândalos de corrupção política já registrados no país. Sua assinatura está grafada nos documentos que forjaram a farsa dos empréstimos bancários que ajudaram a financiar o mensalão – e por isso seu nome foi listado entre as dezenas de indiciados na Ação Penal 470.

Entretanto, apresentou-se para a posse com a "consciência serena dos inocentes", conforme declarou em entrevista ontem, logo após ter-lhe sido dada a posse e o direito de ocupar gabinete em área considerada "nobre" do edifício da Câmara. Antes, diante de perguntas de repórteres, chamou a um deles de "torturador moderno", fazendo-se outra vez de vítima – inclusive desrespeitando as vítimas de torturas reais, seja da ditadura brasileira, seja de qualquer outra – e demonstrando estar pouco afeito às regras tácitas das liberdades democráticas pelas quais, com armas à mão, diz ter lutado para restaurar (embora, na verdade, buscasse estabelecer um regime socialista tão autoritário quanto o que combatia). Restauradas, tais liberdades pressupõem a responsabilidade dos homens públicos de darem conta de responder por seus atos, incluindo à imprensa.

Agora, com a posse, Genoino também se coloca sob a proteção da esdrúxula posição assumida pelo presidente da Câmara dos Deputados, Marco Maia – seu correligionário petista –, para quem a condenação pelo Supremo não obriga o Legislativo a declarar automaticamente a cassação dos réus detentores de mandato. Mais que isso: Maia também prometeu "resistir" à eventual iniciativa do STF de promover a cassação. Levando-se ao extremo esta resistência, o Brasil pode estar prestes a presenciar uma bizarrice talvez sem precedentes na história política brasileira: ver um de seus parlamentares no plenário durante o dia e, à noite, atrás das grades.

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