Dando continuidade à tradição de inserir emendas sobre assuntos alheios aos projetos de lei e medidas provisórias que estão discutindo, os deputados federais conseguiram, na quarta-feira, derrubar os proverbiais dois coelhos com uma única cajadada. Enquanto discutiam, em comissão especial, o projeto de lei 6.621/2016, sobre as agências reguladoras, aproveitaram também para mudar a Lei das Estatais, uma das primeiras leis importantes aprovadas por iniciativa do presidente Michel Temer quando ainda estava interinamente no cargo, antes da cassação definitiva de Dilma Rousseff. Tudo para restabelecer a possibilidade de indicações políticas nas empresas controladas pelo governo.
A Lei das Estatais tinha dado um passo importantíssimo na moralização das indicações para cargos de comando dessas empresas, em um momento no qual a Lava Jato escancarava para todo o Brasil os males do aparelhamento político e do apadrinhamento na maior das empresas estatais brasileiras, a Petrobras. O artigo 17 da lei trata dos critérios de nomeação para diretorias e para o Conselho de Administração das empresas, e veda a indicação “de pessoa que atuou, nos últimos 36 meses, como participante de estrutura decisória de partido político ou em trabalho vinculado a organização, estruturação e realização de campanha eleitoral”, bem como de parentes até o terceiro grau de uma série de autoridades, incluindo parlamentares, ministros, secretários estaduais ou municipais e dirigentes de partidos políticos.
Para muitos parlamentares, sem a possibilidade de barganhar cargos e apoio, qual é a graça de exercer um mandato?
O PL 6.621 pretendia replicar para as agências reguladoras as mesmas restrições a nomeações que já existiam nas diretorias e Conselhos de Administração das estatais. Para os deputados, foi a gota d’água. Eles já não podiam usar os cargos de estatais para colocar apadrinhados; como, agora, se pretendia tirar-lhes esse “direito” também nas agências reguladoras? A reação foi avassaladora. Já havia uma emenda do deputado José Carlos Aleluia (DEM-BA) pretendendo que essas proibições fossem retiradas do PL 6.621. A bancada do PR aproveitou o embalo e apresentou um destaque que suprimia as restrições na Lei das Estatais. A comissão especial aprovou essas e outras emendas e destaques, apesar da oposição do relator, Danilo Forte (PSDB-CE).
Para justificar a barbaridade que estavam cometendo, os deputados não tiveram vergonha nenhuma de dizer que a Lei das Estatais e o PL das Agências Reguladoras estavam amarrando suas mãos. José Carlos Araújo (PR-BA) chegou ao ponto de elogiar a Lei das Estatais pelos “avanços institucionais de grande relevância (...) para melhorar a governança das empresas estatais”, mas reclamou que algumas das regras estabeleciam “critérios excessivamente restritivos” para as nomeações, e que tais restrições estariam “comprometendo o preenchimento de cargos nessas empresas”. O que ele quis dizer, na verdade, foi que os políticos já não estavam conseguindo emplacar quem eles queriam em cargos importantes – e, para muitos parlamentares, sem essa possibilidade de barganha, qual é a graça de exercer um mandato?
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A justificativa de Araújo se torna ainda mais ridícula ao deixar subentendido que, se excluirmos todo o pessoal supostamente capacitado para tais cargos e que esteja vinculado de alguma forma a um político ou partido, não sobrariam muitos nomes. Será mesmo que não há gente qualificadíssima – e sem ligações políticas – nos próprios quadros das estatais, na academia, no mercado ou na sociedade civil para assumir postos-chave nas estatais e nas agências reguladoras? Impossível.
Como foi aprovado em caráter terminativo, o texto só terá de passar pelo plenário da Câmara se houver recurso. Do contrário, volta ao Senado, que já tinha aprovado o projeto, mas terá de analisá-lo novamente por causa das alterações feitas pelos deputados. Quando da tramitação da Lei das Estatais, os deputados também desfiguraram substancialmente o projeto, e coube aos senadores restaurar seu espírito original. Que isso se repita com o PL das Agências Reguladoras, para que a governança – delas e das estatais – não volte a correr riscos com as portas escancaradas às nomeações políticas.
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