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Editorial

Governar com olhos de hoje

O governo comemorou o resgate de todos os títulos velhos da dívida externa, em montante de 6,4 bilhões de dólares, zerando um passivo oneroso e melhorando o crédito internacional: logo após o anúncio o risco-país baixou acentuadamente e outros papéis emitidos pelo Brasil subiram de cotação. A medida veio compensar a modesta taxa de crescimento do PIB brasileiro de 2,3% no ano passado, já esperada em função do radicalismo na política de combate à inflação aplicada pelo atual governo.

Positiva, a liquidação da dívida em "bradies" se soma a outras iniciativas na mesma direção, como a quitação da pendência com o Fundo Monetário Internacional e redução da exposição cambial com pagamento dos títulos vinculados à variação do câmbio. Os bônus "bradies" (referência ao secretário americano do Tesouro da época, Nicholas Brady, que socorreu o Brasil) lembravam a penosa renegociação da dívida externa entre 1992 e 94, após moratórias decretadas por governos mal-sucedidos. Como os recursos para liquidar essa conta saem de reservas externas mantidas em 56 bilhões de dólares, o anúncio foi bem recebido pelos mercados: o risco-país recuou para 222 pontos, melhor marca nos últimos anos.

Não obstante, ao focar apenas na meta financeira o atual governo comete o equívoco de exagerar na dose do remédio, afetando o organismo enfermo. Ao lado dos juros altos, a flutuação cambial dos últimos meses – com o dólar em queda e a moeda "real" subindo de forma constante – lembra a crise do encilhamento praticada pelo primeiro governo da República, sendo Ruy Barbosa ministro da Fazenda. A resultante foi o magro número do PIB, além do desemprego em alta, renda e consumo em queda, e avanço na inadimplência das famílias.

Esse cenário negativo é potencializado pela redução do nível de confiança dos consumidores e empresários, além de retração nos investimentos programados, redirecionamento de aplicações de fundos de capitalização para outras regiões e até mesmo a transferência de fábricas para terceiros países, por empresas empenhadas em evitar o custo do câmbio – o que ocasionou em janeiro o primeiro déficit de pagamentos em muitos anos. A raiz do problema cambial, dizem os especialistas, está na política de juros elevados, praticada pelo Banco Central sob justificativa de conter a inflação.

Atingido por críticas à direita e esquerda, o presidente desse órgão monetário tenta se explicar, assegurando que o mercado ajustará o câmbio por si próprio, derrubando exportações e aumentando as importações. Pode ser, mas até lá teremos mais turbulências, num ambiente de instabilidade que já inibe decisões de investimento. O professor Antônio Licha, da UFRJ, ensina que "concebida para outra era da economia, a teoria do câmbio flutuante precisa ser adaptada ao cenário da globalização, sob pena de criar mais problemas do que soluções" – como vem ocorrendo no Brasil de hoje, comprovado pelo PIB baixo.

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