A queda de braço entre Executivo e Legislativo pelo controle de parte do Orçamento ainda não terminou. Na quarta-feira, o Congresso manteve o veto do presidente Jair Bolsonaro ao trecho da lei orçamentária que deixava R$ 30 bilhões para serem gastos de acordo com emendas do relator, com execução obrigatória – uma invenção ad hoc do Legislativo, já que a exigência constitucional sobre o orçamento impositivo vale apenas para emendas individuais e de bancada. A votação, no entanto, só ocorreu depois que o Planalto enviou três projetos de lei para regulamentar o tema, e que serão votados na próxima terça-feira. O presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), deixou claro que essa contrapartida do Executivo era essencial quando suspendeu, no dia anterior, a sessão que deveria ter analisado os vetos, alegando que os PLNs haviam chegado tarde demais e não haveria tempo de estudá-los na terça-feira.
Segundo explicação do Ministério da Economia, caso os projetos sejam aprovados, o relator – no caso, o deputado Domingos Neto (PSD-CE) – terá à disposição algo entre R$ 17,5 bilhões e R$ 20 bilhões, quase dois terços do valor pretendido originalmente. Tanto essa diferença de cerca de R$ 10 bilhões quanto os próprios R$ 30 bilhões que motivaram toda a disputa podem parecer pouco diante de um orçamento de R$ 3,6 trilhões, mas é preciso recordar que quase todo esse montante já tem destino certo, sendo considerado “verba carimbada”. Resta ao Poder Executivo uma porcentagem ínfima para custeio da máquina pública e investimentos realizados de acordo com seus projetos – a chamada “despesa discricionária” seria de apenas R$ 81,6 bilhões se a proposta original do Congresso tivesse prevalecido; caso os PLNs do governo sejam aprovados, sobe para R$ 93 bilhões. Portanto, considerando-se apenas este universo, poucas dezenas de bilhões de reais fazem muita diferença.
O controle de R$ 20 bilhões passará das mãos do Executivo para o Legislativo em uma manobra parlamentar inédita, sem nenhum amparo constitucional
Entendimento entre governo e Congresso é essencial, especialmente quando há uma pauta reformista extensa ainda a ser votada em um ano legislativo mais curto, graças ao “recesso branco” que os parlamentares se concederão nos meses anteriores às eleições municipais de outubro. Mas é possível questionar se os PLNs foram o preço adequado a pagar. Na conversa captada em cerimônia no Palácio da Alvorada, o general Augusto Heleno, ministro do Gabinete de Segurança Institucional, indicava que o Congresso estava realmente disposto a avançar sobre mais uma fatia do orçamento. No entanto, pelo menos publicamente, o Senado parecia disposto a não dar os votos necessários para derrubar o veto, independentemente de qualquer concessão por parte do Planalto. Se o veto não corria riscos, por que o governo abriria mão voluntariamente de cerca de R$ 20 bilhões quando já tem pouco dinheiro à disposição para usar de acordo com seus planos?
Afinal, é disso que se trata: o governo só pode dizer que “recuperou” R$ 10 bilhões porque esteve prestes a perder R$ 30 bilhões; mas, no fim das contas, caso os PLNs sejam aprovados, continuará perdendo, embora um valor menor. São R$ 20 bilhões cujo controle passará das mãos do Executivo para o Legislativo em uma manobra parlamentar inédita, sem nenhum amparo constitucional. É possível que, após fazer suas contas, o Planalto tenha concluído que tal concessão seria factível sem criar entraves muito grandes para os planos do governo, mas não deixa de haver um risco embutido, o de abrir as portas para novos e maiores avanços no futuro – e é sintomático o fato de, mesmo na proposta do governo, as emendas de relator ainda terem garantido um valor maior que a soma de todas as emendas individuais e de bancada, as únicas cujo caráter impositivo é garantido pela Constituição.
Assim, caminha-se para um Orçamento cada vez mais engessado, e sobre o qual o Poder Executivo tem cada vez menos controle. Ainda que as emendas do relator acabem contemplando necessidades reais, em vez de demandas paroquiais eleitoreiras, o governo terá margens cada vez menores para executar o programa aprovado pela maioria do eleitorado brasileiro na eleição presidencial. Isso causa um desequilíbrio na relação entre poderes, dando ao Legislativo um papel de executor que, como o próprio nome diz, tem de ser exercido pelo ocupante de um outro prédio na mesma Praça dos Três Poderes.