Como se constrói o “sucesso” de uma greve geral? Quando milhões de pessoas cruzam os braços por livre e espontânea vontade, ou quando as pessoas querem trabalhar, mas não conseguem fazê-lo porque alguns poucos resolvem tirar da maioria o direito de ir e vir, impedindo os demais de chegar a lojas, fábricas e escritórios? Para os organizadores da “greve geral” desta sexta-feira, dia 14, a opção correta era a agressão aos direitos do brasileiro trabalhador. Isso já tinha ficado muito claro antes mesmo do dia de protesto, quando o sindicalista João Carlos Juruna, da Força Sindical, disse que era “essencial” a participação do setor de transporte coletivo. “Se eles não aderirem, a impressão é de que não houve paralisação”, afirmou no dia 12. Em outras palavras: se motoristas, cobradores e metroviários não parassem, as pessoas simplesmente iriam trabalhar e a greve seria um fiasco, como ocorreu em novembro de 2017.
Em algumas cidades onde os trabalhadores do transporte prometiam parar, a Justiça percebeu a ameaça e agiu de forma preventiva, ainda antes da sexta-feira, determinando frotas mínimas em circulação. Em São Paulo, por exemplo, uma liminar ordenou a manutenção integral da operação dos ônibus. A decisão foi chamada de “esdrúxula” por sindicalistas, mas fazia todo o sentido. Isso porque a Lei de Greve permite o movimento paredista quando tem relação direta com as condições de trabalho – uma negociação salarial ou a violação de direitos trabalhistas, por exemplo. Uma “greve geral” contra a reforma da Previdência não se encaixa nesses critérios, constituindo um movimento político – algo que as lideranças admitem sem pudor algum.
A visão de um país “parado” corresponde exatamente ao que desejam aqueles que tentam impedir uma reforma crucial para o Brasil
E, se a própria noção de greve é deturpada pelos sindicalistas e partidos políticos que organizaram e apoiaram o movimento do dia 14, não seria surpresa o fato de as determinações judiciais também terem sido desrespeitadas. O transporte público parou em várias cidades, inclusive onde havia determinação judicial para o funcionamento do serviço; bloqueios em estradas e vias importantes de capitais brasileiras completaram o movimento, conquistando a adesão involuntária da parte de quem queria trabalhar, mas não teve como se deslocar até o trabalho. Mais uma vez, o sindicalismo de esquerda demonstrou seu desapreço pela democracia, impondo suas ideias pela força e pelo ataque frontal aos direitos dos demais brasileiros.
Mesmo assim, não funcionou. Por mais que os sindicalistas se apressassem em dizer que o movimento de sexta-feira foi bem sucedido, como se boa parte dos brasileiros efetivamente tivesse se colocado contra a reforma da Previdência de forma voluntária, o fato é que a “greve geral” deste dia 14 se resumiu basicamente a categorias cuja mobilização é tradicionalmente forte, como os bancários. Mesmo onde o transporte público foi mais afetado, como em Belo Horizonte, Salvador e Brasília, o transtorno causado esteve muito aquém da paralisação de abril de 2017, que realmente parou várias cidades.
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Se quisermos um termômetro mais fiel do sentimento popular, basta olhar para o último 26 de maio, quando a reforma foi a principal pauta que levou centenas de milhares de brasileiros às ruas de livre e espontânea vontade. Isso porque o cidadão está percebendo que, apesar dos sacrifícios que a reforma exige, ela é essencial para que o Brasil tenha um futuro e para que os brasileiros tenham, mais adiante, a possibilidade de uma aposentadoria; para que o Estado recupere a capacidade de investimentos e não tenha de asfixiar o setor privado, o verdadeiro motor da economia e gerador de empregos.
No fim, nada mais ilustrativo que uma “greve geral” para descrever o que significa o repúdio à reforma da Previdência. A visão de um país “parado” corresponde exatamente ao que desejam aqueles que tentam impedir uma reforma crucial para o Brasil. Trata-se de paralisar de vez a nação, que será incapaz de realizar investimentos enquanto ruma para o abismo fiscal. As reformas ajudarão o país a avançar, e o melhor que os deputados podem fazer neste momento é ignorar esse “sucesso” de ficção, construído à custa de uma agressão aos direitos dos brasileiros trabalhadores, que desejam a reforma e sabem de sua importância, mas nesta sexta-feira foram vítimas de uma elite sindical preocupada apenas com os próprios privilégios.