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Editorial

Guerra de requerimentos

Uma manobra regimental adiou para hoje a decisão que o presidente do Senado, Renan Calheiros, prometera anunciar ontem – se acataria ou não o requerimento protocolado pela oposição para a criação da CPI da Petrobras. O adiamento se deveu a um pedido de impugnação formulado pela senadora Gleisi Hoffmann (PT/PR), que, vocalizando a posição do Palácio do Planalto, argumentou que a proposta oposicionista desobedecia ao mandamento constitucional que restringe as investigações das CPIs a um fato único e determinado. Na interpretação da parlamentar paranaense, o requerimento para a CPI da Petrobras propõe apurar quatro fatos que não guardariam conexão entre si, embora todos dissessem respeito a supostas irregularidades na administração da estatal.

Paradoxalmente, no entanto, a majoritária bancada governista articulava a proposição de outra CPI, esta sim com objetos desconexos, variando entre investigar a Petrobras e, ao mesmo tempo, apurar as suspeitas de formação de cartel em licitações do metrô paulistano durante governos tucanos e vestígios de irregularidades no Porto de Suape (Pernambuco). Por trás da iniciativa, uma intenção visível – a de atingir politicamente os adversários Aécio Neves (PSDB/MG) e Eduardo Campos (PSB/PE), que disputarão com Dilma Rousseff a eleição presidencial de outubro próximo.

É prerrogativa constitucional dos parlamentos brasileiros, em qualquer das três esferas (federal, estadual e municipal), propor a criação de comissões parlamentares de inquérito (CPIs). Para que sejam instauradas, o rito é aparentemente simples: basta apenas a assinatura de um terço dos senadores, deputados ou vereadores para que sejam convocadas – sábia medida para garantir que as minorias, geralmente de oposição aos executivos, possam se sobrepor ao poder massacrante das maiorias governistas. Daí a inferência que consagra as CPIs como um dos mais importantes institutos da democracia – basta lembrar as CPIs que levaram ao impeachment de Fernando Collor e ao processo do mensalão.

Graças a esta previsão constitucional, nada mais normal e salutar para a própria democracia que sejam apuradas as denúncias de irregularidades na Petrobras, embora para o governo pareçam desconexos entre si os quatro quesitos apresentados pela oposição: a compra superfaturada da refinaria de Pasadena (Texas, EUA), o pagamento de propinas para funcionários, a precariedade da segurança para trabalhadores em plataformas e as suspeitas de sobrepreços na construção de outras refinarias.

Não há motivo lógico aparente que possa aconselhar o desmembramento dos temas em quatro diferentes CPIs, pois a conexão se evidencia pelo fato de que estão todos sob o mesmo comando administrativo. O que nos leva rapidamente ao entendimento de que o questionamento do governo não encontra amparo – ou, se o tem, a alegada inconstitucionalidade serviria para contrariar também a criação da genérica comissão que o governo pretende engendrar.

Nada contra a abertura de investigações acerca de tantos fatos quantos sejam os eivados de suspeita de corrupção, como se denota nos casos elencados pelo governo. Ao facilitar a criação de CPIs, o parlamento brasileiro não estaria cumprindo mais do que sua obrigação constitucional de fiscalizar o Executivo, guardados os limites da abrangência sobre esferas que não competem ao Congresso Nacional.

Ainda que se admita que ambos os lados queiram fazer indevido uso político e oportunista do instituto das CPIs, mais relevante é o resultado que eventualmente estas possam alcançar. Comprovados os desvios cometidos pelos agentes públicos investigados, caberá à Justiça, com base nos relatórios, responsabilizá-los civil e criminalmente, independentemente dos inevitáveis efeitos políticos. O que mais conta é não permitir que a impunidade continue prosperando.

É neste sentido que se espera de Renan Calheiros – a quem, na condição de presidente do Senado, cabe decidir hoje sobre o destino da CPI e da sua impugnação – uma rara e absolutória demonstração de grandeza.

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