O jornal paulista Folha de S.Paulo resolveu convidar economistas que representem as plataformas econômicas dos principais pré-candidatos à Presidência da República e participem de grupos que assessoram os pré-candidatos, para que escrevam artigos detalhando suas propostas. Na terça-feira, dia 4, o país teve uma amostra do que virá caso o ex-presidente, ex-presidiário e ex-condenado Lula volte ao Planalto: não apenas pelo economista escolhido para representá-lo, mas também pelo conteúdo exposto nas páginas do jornal paulista.
Guido Mantega foi ministro do Planejamento durante parte do primeiro governo Lula, e ministro da Fazenda ao longo de todo o segundo mandato do petista e do primeiro mandato de sua sucessora, Dilma Rousseff. Ele foi a mente – ou, ao menos, a principal mente – por trás da Nova Matriz Econômica, adotada ao fim do governo Lula e que marcou o abandono do tripé macroeconômico formado por responsabilidade fiscal, metas de inflação e câmbio flutuante, e que havia sido adotado em 1999, ainda nos anos FHC. Em resumo, foi o grande responsável por lançar as bases da “herança maldita” do lulopetismo: a recessão de 2015-2016. A crise só não explodiu nas mãos do próprio Mantega porque Dilma havia decidido substituí-lo ainda em 2014, durante a campanha de reeleição, em uma demonstração de que sua gestão, motivo de piada na revista britânica The Economist, estava longe de ser um sucesso.
Que Mantega tenha recebido a oportunidade de um revival, quando deveria estar relegado à galeria dos piores ministros da Fazenda da história do país, é mais um sinal de que Lula está longe de ser o “moderado” que intelectuais e setores da imprensa pintam
Em seu artigo, aliás, Mantega trata o leitor como um desmemoriado, já que não há menção alguma à recessão que ele ajudou a criar. É como se o segundo mandato Dilma, com Selic, inflação e desemprego em alta, jamais tivesse existido; como se o Brasil tivesse passado de um fim de 2014 ainda sob o efeito das gambiarras orçamentárias que criaram a ilusão de uma economia em ordem diretamente para um governo Temer marcado por uma economia enfraquecida, que brigava para voltar a crescer, sem explicar como fora possível chegar àquele ponto. Um exemplo dessa desonestidade intelectual é a afirmação de que “as gestões fiscais dos governos Temer e Bolsonaro foram um desastre que, desde 2016, só acumulou déficits primários”, como se a sequência de déficits tivesse se iniciado em 2016, não em 2014, o último ano de Mantega na Fazenda.
Ao comentar os resultados da economia sob o governo Bolsonaro, Mantega ignora que o país ainda estava se recuperando da recessão lulopetista e minimiza os efeitos catastróficos da pandemia de Covid-19 para a economia brasileira. E, ao comentar os resultados da gestão petista entre 2003 e 2014 (pois, como vimos, 2015 e 2016 simplesmente não existiram para o ex-ministro) e oferecê-los como contraponto ao desempenho de Temer e Bolsonaro, Mantega esconde que todos os números positivos – como a redução no desemprego e na pobreza, e o aumento do PIB – foram obtidos graças a um cenário externo tremendamente favorável, com altíssima demanda por commodities brasileiras, e graças ao incentivo governamental ao consumo e à gastança governamental, pilares da Nova Matriz Econômica. Um crescimento cuja fragilidade ficaria escancarada já em 2015.
Além da tentativa de reescrever o passado, o artigo de Mantega chama a atenção não tanto pelo que propõe construir, pois essas ideias são expressas em termos bastante vagos, mas pelo que quer destruir, especialmente a reforma trabalhista e o teto de gastos. Em um exemplo típico da falácia post hoc ergo propter hoc, Mantega quer fazer seu leitor acreditar que os resultados fracos da economia brasileira se devem, em parte, a esses dois instrumentos, quando na verdade eles foram concebidos como forma de combater o descalabro que a gestão petista havia causado e que já estava em curso quando de sua aprovação pelo Congresso.
Que Mantega tenha recebido a oportunidade de um revival, quando deveria estar relegado à galeria dos piores ministros da Fazenda da história do país, é mais um sinal de que Lula está longe de ser o “moderado” que intelectuais e setores da imprensa pintam. O seu apreço nulo à democracia já estava exposto nas afirmações sobre regulação da imprensa e das mídias sociais, em sua solidariedade e apoio a nefastos ditadores latino-americanos e em várias outras demonstrações de que liberdades e garantias individuais pouco valem para ele. Ao dar a Mantega o papel de seu porta-voz econômico, Lula indica que irá radicalizar também na economia, dando ao Brasil uma segunda dose do veneno que derrubou o país em 2015 e 2016.
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