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Editorial

Perseguição suspensa – ao menos por enquanto

CNMP abre processo contra ex-Lava Jato Diogo Castor de Mattos por contratação de outdoor
O procurador Diogo Castor de Mattos, ex-integrante da força-tarefa da Lava Jato, é um dos investigados no inquérito aberto pelo STJ. (Foto: Albari Rosa/Gazeta do Povo)

Foi preciso que a arbitrariedade ficasse ainda mais explícita para que a ministra Rosa Weber, do Supremo Tribunal Federal, finalmente se dispusesse a colocar um freio no abusivo inquérito instaurado pelo presidente do Superior Tribunal de Justiça para apurar o “crime de comentário” atribuído a procuradores da Lava Jato. Depois de negar, em 23 de março, um habeas corpus coletivo da Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR) para que o inquérito fosse suspenso, a ministra concedeu, no dia 30 de março, liminar em outro habeas corpus impetrado pela defesa de um dos investigados, o ex-membro da força-tarefa Diogo Castor de Mattos – revertendo uma decisão que ela havia tomado no dia 9 de março. Agora, o inquérito está suspenso até que a Primeira Turma, da qual Rosa Weber faz parte, julgue o recurso.

O que ocorreu neste intervalo? Como bem lembramos recentemente neste espaço, todas as características do inquérito aberto pelo ministro Humberto Martins já eram justificativa mais que suficiente para se conceder imediatamente um habeas corpus e suspender uma investigação claramente abusiva, mas Rosa Weber não o fez nas duas primeiras oportunidades em que o assunto chegou às suas mãos. Os vários vícios do inquérito foram ressaltados pela Procuradoria-Geral da República, que se manifestou dentro do habeas corpus impetrado por Castor após a primeira negativa no STF, mas nem isso foi suficiente para demover a ministra – a manifestação da PGR ocorreu em 22 de março, véspera do indeferimento da liminar no habeas corpus da ANPR.

Antes tarde do que nunca o inquérito está suspenso, e caberá, agora, à Primeira Turma do STF encerrar de vez uma sequência de abusos

No entanto, na sequência da decisão do dia 23, como se já não bastasse o arbítrio em andamento, Martins dobrou a aposta ao negar que os procuradores investigados tivessem acesso ao conteúdo do inquérito, pois tal acesso “colocaria em risco a realização das futuras diligências sigilosas que deverão ser realizadas”. A expressão foi interpretada pelos procuradores e pela ANPR como uma admissão implícita de que Martins estaria prestes a determinar a adoção de medidas cautelares contra os investigados – reportagem do jornal O Globo citava pessoas próximas a Martins, a quem ele teria dito que planejava ordenar operações de busca e apreensão. Esse risco foi ressaltado em petição enviada pela ANPR à ministra Rosa Weber e, ainda que tenha sido mencionado apenas de passagem na liminar, certamente ajudou a criar um clima favorável à concessão do habeas corpus, até porque várias entidades de membros do MP intensificaram sua mobilização.

Na decisão liminar, Rosa Weber gastou diversas páginas para distinguir o inquérito do STJ daquele outro, instaurado pelo STF para apurar supostos ataques ao Supremo, o inquérito das fake news – a similaridade entre ambos havia sido invocada por Martins para defender suas ações, e fora questionada na manifestação da PGR. A ministra afirmou que, além de os regimentos internos das duas cortes superiores terem peso legal diferente, não existe, no caso da investigação contra a Lava Jato, o “cenário de distúrbio institucional de efeitos exponenciais e incalculáveis, a colocar em risco a própria existência do regime republicano e democrático” invocado para legitimar o inquérito das fake news. “O contexto fático” do inquérito do STJ, “longe de revelar risco concreto à existência do Tribunal Superior ou mesmo à integridade física ou à independência funcional de seus ministros, envolve, aparentemente, iter criminis em fase de menor afetação ao bem jurídico tutelado, se comparado ao caso paradigma”, escreveu a ministra. Se por um lado ela tem razão quanto à natureza da investigação desejada por Martins, por outro essa linha de raciocínio acaba validando, ainda que indiretamente, o inquérito das fake news, ele mesmo repleto de abusos.

Além disso, Rosa Weber também alegou que as mesmas supostas conversas já eram objeto de apuração interna em órgãos como o Conselho Nacional do Ministério Público; que o STJ não é o foro adequado para se investigar e julgar membros do MPF; e, por último, mas não sem menos importância, que o inquérito nasceu de uma evidência obtida de forma ilícita. Todos argumentos certeiros, mas que, é preciso lembrar, já eram amplamente conhecidos desde meados de fevereiro, quando o inquérito foi aberto no STJ, o que nos leva a perguntar por que eles não bastaram quanto Rosa Weber analisou os pedidos de habeas corpus pela primeira vez.

De qualquer forma, antes tarde do que nunca o inquérito está suspenso, e caberá, agora, à Primeira Turma do STF encerrar de vez essa sequência de equívocos iniciada quando o ministro Ricardo Lewandowski permitiu que a defesa de Lula tivesse acesso total (e não apenas aos conteúdos que dissessem respeito ao ex-presidente) às mensagens da Operação Spoofing – que investigou a invasão de celulares de autoridades como o então juiz Sergio Moro e os procuradores da Lava Jato. Os advogados do ex-presidente, então, divulgaram as supostas conversas em que os procuradores teriam apenas externado a ideia de analisar a movimentação patrimonial de ministros do STJ. O uso do condicional, aqui, não é mera formalidade; afinal, não apenas a ação imaginada nunca se tornou realidade, ficando apenas no plano de uma sugestão, como também o conteúdo jamais teve sua autenticidade comprovada, mesmo depois de perícias da Polícia Federal. Nem isso, nem o fato de o material ter origem comprovadamente ilícita impediram Martins de abrir seu inquérito.

“Crime de opinião”, “crime de intenção”, “crime de ideia” são conceitos que só existem nos totalitarismos, reais ou das distopias literárias, não em democracias. Só isso já tornaria a investigação do STJ claramente abusiva, ainda que não houvesse nenhuma das outras circunstâncias que fazem dele uma aberração jurídica semelhante ao inquérito das fake news no Supremo, e que já deu margem a arbitrariedades como a censura de publicações jornalísticas e um ataque à imunidade parlamentar. Se der seu aval à continuação do inquérito contra os procuradores da Lava Jato, a Justiça estará simplesmente negando sua razão de ser, atropelando a Constituição e a leis para permitir o desmonte da Lava Jato.

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