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Editorial

Caçadores de bilhões

Haddad
Ministro da Fazenda ainda procura R$ 100 bilhões em receitas para ter chance de zerar o déficit primário em 2024. (Foto: Isaac Fontana/EFE)

Nos próximos dias, o governo terá de enviar ao Congresso Nacional o projeto de lei orçamentária de 2024 – o prazo termina em 31 de agosto. E o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, tem um enorme problema a resolver: onde encontrar R$ 100 bilhões para que o governo cumpra a meta de zerar o déficit primário no ano que vem, de acordo com o que prevê o arcabouço fiscal ainda em tramitação no Legislativo. A bem da verdade, Haddad até sabe onde encontrar esse dinheiro: no bolso do pagador de impostos brasileiro, seja pessoa física ou jurídica. O que ele ainda não descobriu é como tirar ainda mais recursos das pessoas e das empresas, e se conseguirá o apoio político necessário para fazê-lo.

É o tipo de situação que o próprio governo criou para si. Não porque tivesse estabelecido a meta de zerar o déficit primário em 2024, um objetivo ao mesmo medíocre (pois o ideal seria sempre que o governo gastasse menos do que arrecada) e ambicioso (dadas as condições atuais das contas públicas e o espírito que move o atual governo), mas porque resolveu zerar o déficit olhando única e exclusivamente para o lado da receita. O verdadeiro problema brasileiro, e isso é sabido há muito tempo por qualquer um que não seja um terraplanista econômico, não é arrecadar pouco – pelo contrário, o Brasil tira das pessoas e empresas um terço de tudo o que é produzido. A doença nacional é o gasto público exagerado e ineficiente, mas isso é algo a respeito do qual o petismo se recusa terminantemente a tomar qualquer providência. “Gasto público é vida”, diz a frase atribuída a Dilma Rousseff, e o PT leva o mantra muito a sério – a medida provisória que concede reajuste de 9% aos servidores do Executivo federal, aliás, acaba de passar pela comissão mista que analisa o texto.

Aquilo que foi dito à exaustão por analistas – e negado à exaustão pelo governo – deve se tornar realidade: para funcionar, o arcabouço fiscal exigirá um “aumento brutal” da carga tributária

Na busca pelos R$ 100 bilhões, Haddad está atirando em praticamente tudo o que vê. As medidas já adotadas ou que o governo espera ver aprovadas incluem a retomada dos tributos federais sobre combustíveis; a taxação de fundos de investimento exclusivos, de exportações de petróleo, de rendimentos de aplicações no exterior, e de apostas esportivas on-line; o retorno do voto de qualidade favorável ao governo no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf); o fim dos Juros sobre Capital Próprio; a tributação sobre importação de encomendas de baixo valor; e, quem sabe, um imposto sobre grandes fortunas E talvez nem a aprovação de todo esse pacote seja suficiente, já que o governo está trabalhando com previsões de crescimento do PIB maiores que as do mercado financeiro, ou seja, a arrecadação ainda poderia ficar abaixo do esperado mesmo com todas as novas cobranças.

Se tudo der errado, no entanto, o governo já tem outra carta na manga: um truque retórico. Investimento não é gasto, disse Lula repetidas vezes durante a campanha eleitoral, referindo-se a despesas com saúde e educação. Bastaria, portanto, conseguir que determinada rubrica fosse excluída da conta do resultado primário para aliviar a situação do governo – coisa que Lula acaba de fazer ao enviar ao Congresso uma mensagem modificativa da Lei de Diretrizes Orçamentárias, para excluir da meta R$ 5 bilhões em investimentos de empresas estatais em projetos do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC).

Este recurso não é novo; já foi usado, em maior ou menor grau, por Lula em sua primeira passagem pelo Planalto, por Dilma e por Jair Bolsonaro – este último, já sob a regra do teto de gastos, que ganhou vários “puxadinhos” –, além de estar presente também no novo arcabouço fiscal. Mas a contabilidade não se importa nem um pouco com jogos de palavras: o dinheiro não deixa de sair dos cofres públicos só porque uma despesa é chamada de “investimento” e excluída de regras legais. A consequência prática de tais truques é apenas permitir a ampliação irresponsável do gasto público, com todos os resultados nefastos que os brasileiros já estão cansados de presenciar, ainda que nem sempre sejam capazes de ligar a causa ao efeito.

Aquilo que foi dito à exaustão por analistas – e negado à exaustão pelo governo – deve, portanto, se tornar realidade: para funcionar, o arcabouço exigirá um “aumento brutal” da carga tributária. Assim como está para cair outra negativa enfática da Fazenda, que agora admite a possibilidade de a alíquota do futuro IVA chegar a 27%, mais perto dos 28,4% estimados pelo Ipea (em estudo que Haddad contestou veementemente) que dos 25% inicialmente prometidos pelo ministro. Tudo porque, avesso a cortar despesas, o governo Lula prefere se comportar como o cobrador de impostos da canção dos Beatles: “Se você for se sentar, taxarei o assento; se você sentir frio, taxarei o aquecimento; se você for caminhar, taxarei seus pés”.

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