A derrota de Dilma Rousseff na Câmara dos Deputados, que deu 367 votos a favor da admissibilidade do processo de impeachment da presidente, deve ser comemorada? Sem dúvida que sim, pois é um passo importante contra a impunidade. Mas mesmo os defensores do impeachment não devem ter se sentido muito confortáveis com o que viram na tarde e noite de domingo. Os perfis e os discursos de muitos deputados nos fazem refletir sobre como temos tratado o voto para o Legislativo.
Nem seria preciso citar o fato óbvio de que boa parte do grupo que votou no domingo está às voltas com investigações e acusações de corrupção, inclusive o presidente da Câmara, deputado Eduardo Cunha. Isso, por si só, não retira a legitimidade dos parlamentares – e é preciso lembrar que a Câmara de 1992, que afastou Fernando Collor, não era exatamente composta por vestais, embora isso não tenha incomodado os petistas que, à época, pediam a saída do presidente. Mas há muita hipocrisia em ver parlamentares investigados gritando “contra a corrupção” na tribuna.
Nenhum desses deputados caiu do céu. Foram todos colocados lá pelos eleitores
Isso, no entanto, já era conhecido antes da sessão. O que o público descobriu, praticamente em rede nacional, foi o triste comportamento de vários dos representantes do povo. Houve, por exemplo, os “papagaios de pirata” que buscavam seus 15 segundos de fama com cartazes engraçadinhos, postando-se atrás dos integrantes da Mesa Diretora ou dos líderes de partidos que discursaram antes da votação – alguns deles, aliás, acharam que seria uma boa ideia usar o tempo na tribuna para entoar cantos de torcida ou paródias de Geraldo Vandré sob chuva de papel picado.
São comportamentos que acabaram soando até como bizarrices inocentes em comparação com o daqueles que tentaram interromper no grito o discurso do relator Jovair Arantes (PTB-GO). Ou com o de alguns parlamentares que chegaram ao absurdo de elogiar o golpe militar de 1964 – Jair Bolsonaro (PSC-RJ) citou nominalmente o torturador Carlos Brilhante Ustra. Curiosamente, as menções aos terroristas Carlos Marighella e Carlos Lamarca, e ao golpista Luís Carlos Prestes, feitas por Glauber Braga (PSol-RJ) e Valmir Assunção (PT-BA), causaram muito menos indignação, embora devessem ser igualmente repudiadas. E maior condenação ainda merece a cusparada de Jean Wyllys (PSol-RJ) em Bolsonaro – o psolista não teve pudor de afirmar que não se arrepende do ato e o repetiria.
Também ficou evidente que vários parlamentares não tinham a noção exata do que estavam votando – no caso, a admissibilidade de um processo de crime de responsabilidade por violações da lei orçamentária –, ou preferiram ignorar a acusação real para mandar um recado ao eleitorado. Assim, raríssimas foram as citações às “pedaladas”: sobraram menções à corrupção, à cumplicidade com ditaduras, às plataformas petistas sobre moral e família: todos aspectos perfeitamente criticáveis, mas que não tinham ligação direta com o escopo da acusação.
Além disso, houve quem votasse como se Dilma estivesse cassada no momento imediatamente posterior à decisão da Câmara, agindo como se a função dos deputados fosse julgar o mérito em vez de aprovar a abertura de um processo; ou insinuando que, em caso de impeachment, Cunha teria chances de assumir definitivamente a Presidência se Michel Temer fosse cassado. São equívocos desculpáveis entre a população que não tem a obrigação de conhecer os meandros do processo de impeachment, mas inaceitáveis para políticos mergulhados no tema e que contam com assessores para esclarecer quaisquer dúvidas.
Nenhum desses deputados, no entanto, caiu do céu. Foram todos colocados lá pelos eleitores – ainda que alguns tenham conseguido a cadeira graças ao quociente eleitoral de suas coligações, receberam votos suficientes para que fossem eleitos em detrimento dos outros colegas de chapa. Se o nível dos nossos representantes não nos agrada, precisamos nos perguntar se não estamos dedicando toda a atenção à escolha de presidente, governadores e prefeitos e negligenciando, ou tratando com ligeireza, o voto para senadores, deputados e vereadores. Que possamos carregar conosco esta lição para outubro.
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