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Editorial

Igualdade salarial forçada mata a meritocracia e a liberdade empresarial

Lei, regulamentação e regras do Ministério do Trabalho sobre igualdade salarial terão consequências graves na liberdade empresarial. (Foto: Tony Winston/Agência Brasília)

O ordenamento legal brasileiro tem inúmeras provas de que boas intenções não necessariamente resultam em boas leis ou regulamentações. Um caso bastante emblemático é o do combate à discriminação salarial entre homens e mulheres no mercado de trabalho. A solução legal encontrada pelo Congresso e sancionada pelo presidente Lula, a Lei 14.611/23, apesar de toda a fanfarra em torno de sua aprovação, já era problemática; sua regulamentação, por meio de decreto presidencial assinado no fim de 2023, conseguiu a façanha de acrescentar novos riscos; e a forma como tudo será colocado em prática, a julgar pelas (insuficientes) explicações dadas pelo Ministério do Trabalho a representantes empresariais no início de fevereiro, tem tudo para representar um golpe mortal na liberdade empresarial, abrindo uma caixa de Pandora de judicialização, perseguição e cancelamento de companhias que não se curvarem a dogmas identitários.

“A igualdade salarial e de critérios remuneratórios entre mulheres e homens para a realização de trabalho de igual valor ou no exercício da mesma função é obrigatória”, afirma o artigo 2.º da Lei 14.611. Não se trata de uma formulação simples, mas simplista, pois desconsidera uma série de nuances que um empresário poderia, de forma bastante legítima e razoável, adotar nas políticas de remuneração de sua companhia, e que serão sumariamente ignoradas nos formulários que as empresas com mais de 100 funcionários terão de preencher. Alguns dos dados já são fornecidos ao governo por outra ferramenta, o e-social; o problema – ou parte dele – está em um novo questionário feito aparentemente sob medida para dar munição a auditores fiscais do Trabalho, haja ou não funcionários descontentes com supostas discriminações.

As novas regras matam a liberdade empresarial, acabam com a meritocracia, envenenam o clima interno de empresas, estimulam a judicialização e potencialmente prejudicarão a contratação ou a ascensão profissional das mulheres

Neste formulário, que as empresas têm até esta quinta-feira para entregar, elas deverão dizer se têm algum programa formal de estímulo à contratação de mulheres – o que já tem o potencial de causar problemas imediatos a quem responder “não”, ainda que contrate mulheres em boa proporção sem a necessidade de uma política específica para tal. E, não contente em saber que uma empresa estimula a contratação de mulheres, o governo seguirá perguntando a respeito de categorias específicas, quase sempre seguindo todo o pacote identitário de plantão, como que empurrando aos RHs de todo o país uma orientação sobre que perfil de pessoas as empresas devem buscar caso não queiram problemas no futuro, tornando a qualificação profissional menos importante que outras características.

Na etapa seguinte, a comparação de médias salariais entre homens e mulheres de uma mesma empresa, o governo resolveu mitigar o risco à privacidade existente na publicação de salários em cargos mais altos e individualizados recorrendo à Classificação Brasileira de Ocupações (CBO). Esta lista, no entanto, está muito longe de capturar a enorme variedade de cargos previstos em inúmeros planos de carreira. Consequentemente, níveis hierárquicos distintos serão agrupados no relatório governamental, elevando exponencialmente a possibilidade de haver disparidade salarial dentro de um mesmo grupo, já que ele inclui cargos diferentes. Basta que um fiscal encontre diferença no pagamento médio de homens e mulheres para começar a criar problemas para a empresa, que será exposta publicamente, obrigada a se explicar, e a elaborar e colocar em prática (com a participação obrigatória dos sindicatos) um Plano de Ação para Mitigação da Desigualdade Salarial e de Critérios Remuneratórios entre Mulheres e Homens.

E, a julgar pelas explicações dadas pelo Ministério do Trabalho, não é qualquer justificativa – sempre fornecida a posteriori, depois que a empresa já foi exposta como discriminadora – que será capaz de aplacar a fúria igualitária de fiscais ou mesmo juízes do Trabalho. Fatores que são completamente razoáveis na definição do salário de um empregado, como critérios de desempenho, metas atingidas, nível de disponibilidade, formação acadêmica, relevância de determinado setor dentro da companhia, ou oferta de profissionais no mercado, poderão ou não ser aceitos dependendo dos caprichos de auditores, procuradores e juízes do Trabalho, que podem impor indenizações ao funcionário que se julgar prejudicado caso discordem desses critérios.

A esse grau de interferência sem precedentes na liberdade empresarial acrescentam-se vários outros riscos já apontados por especialistas ouvidos pela Gazeta do Povo. No longo prazo, a divulgação de salários, que serão conhecidos inclusive pela concorrência, leva a um achatamento das remunerações, pois quem pagava melhor percebe que poderia seguir atraindo bons profissionais sem gastar tanto com sua folha. Para evitar processos movidos por suposta desigualdade, gestores podem tender a tornar suas equipes mais homogêneas, o que prejudica principalmente as mulheres. A exposição, em tempos de cancelamentos promovidos por milícias de justiceiros digitais e setores militantes do Ministério Público, levará a injustiças – basta lembrar do episódio em que uma corretora gaúcha foi acionada judicialmente e, mesmo sem ter cometido crime algum, precisou fechar um acordo por causa de uma mera foto de sua equipe, que não foi considerada suficientemente diversa.

Que há casos reais de discriminação por sexo no mercado de trabalho é algo bastante conhecido – que o digam especialmente as mães –, e buscar formas de estabelecer justiça remuneratória é importante. Mas isso não será conseguido por igualdades forçadas ao melhor estilo socialista, que matam a liberdade empresarial, acabam com a meritocracia, envenenam o clima interno de empresas, estimulam a judicialização e, por fim, potencialmente prejudicarão a contratação ou a ascensão profissional das mulheres, justamente o grupo que se pretendia proteger em primeiro lugar. É evidente que a liberdade empresarial não deve servir como blindagem para políticas discriminatórias, mas o pêndulo foi jogado para o outro extremo, o do autoritarismo puro e simples disfarçado de boas intenções.

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