| Foto: KCNA via KNS/AFP

A Coreia do Norte não faz a menor questão de esconder seu status de ameaça à estabilidade internacional. No fim de semana, a ditadura comunista de Kim Jong-un realizou um novo teste nuclear, desta vez com o que se acredita ser uma bomba de hidrogênio, ainda mais potente que os artefatos baseados na fissão de urânio. O teste é parte do que o embaixador norte-coreano na sede suíça da ONU, em Genebra, chama de “pacotes de presente” endereçados aos Estados Unidos. Ao mesmo tempo, o regime norte-coreano vem testando mísseis – o último deles sobrevoou o território japonês antes de cair no mar, e Pyongyang chegou a prometer o lançamento de quatro mísseis sobre a ilha norte-americana de Guam.

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Até agora, a comunidade internacional vem trabalhando com a aplicação de sanções cada vez mais pesadas contra as provocações norte-coreanas. Esse tem sido o discurso dos Estados Unidos no Conselho de Segurança das Nações Unidas, mas que encontra resistência da China e da Rússia, os grandes fiadores de Kim Jong-un e que têm poder de veto no conselho. O presidente russo, Vladimir Putin, não mediu palavras ao chamar de “histeria militar” a preocupação com a Coreia do Norte, e defendeu mais negociações. O problema é que nem as negociações, nem as sanções têm demonstrado algum resultado. Os norte-coreanos não confiam nas potências ocidentais, e cada nova sanção só provoca mais demonstrações de força de Kim Jong-un. Até onde a comunidade internacional permitiria que ele fosse?

Ninguém – com exceção, talvez, do ditador norte-coreano – quer uma guerra nuclear

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A política de traçar “linhas vermelhas” teve resultados ambíguos na Síria. Quando foi proposta, em 2012, Barack Obama disse que o uso de armas químicas não seria tolerado, mas o ditador Bashar Assad fez pouco caso das ameaças, e ataques a civis saíram impunes. Foi preciso que Donald Trump assumisse a Casa Branca e atacasse uma instalação militar síria logo após um novo ataque químico atribuído a Assad para que a advertência ganhasse alguma eficácia. A Coreia do Norte, no entanto, é um adversário totalmente diferente, não apenas pelo caráter imprevisível de seu ditador, mas pelo arsenal de que dispõe. Talvez por isso, até o momento não foi imposto nenhum ultimato no caso norte-coreano, o que permite alguma esperança de uma solução negociada sem que as partes envolvidas saiam desmoralizadas.

Mas, para isso, duas coisas são necessárias: primeiro, que Donald Trump abandone as bravatas e deixe que sua embaixadora na ONU, Nikki Haley, cuide do assunto. Segundo, que China e Rússia efetivamente mostrem disposição de frear Kim Jong-un – se a Coreia do Norte, um país pobre e faminto, chegou ao ponto de montar um pequeno arsenal, foi justamente por contar com o apoio dessas duas potências. Nem sempre um apoio explícito, é verdade, pois muitas vezes China e Rússia apelaram à ambiguidade, como têm feito agora: criticam os testes norte-coreanos, mas são incapazes de interrompê-los; mesmo assim, mantêm atadas as mãos do resto do mundo, até porque também lhes interessa um enfraquecimento do Ocidente, especialmente dos Estados Unidos.

Leia também:Trump e o ataque à Síria (editorial de 8 de abril de 2017)

Carlos Ramalhete:Estados Unidos e Coreia (coluna de 17 de agosto de 2017)

Um teste das reais intenções de China e Rússia deve ocorrer se os Estados Unidos levarem adiante a ideia de impor, no Conselho de Segurança, um embargo ao fornecimento de petróleo à Coreia do Norte – os chineses são os principais fornecedores, mas Pyongyang vem incrementando as importações da Rússia. Se nenhum dos dois países exercer o poder de veto, há chance de parar Kim Jong-un. Se ficar claro, no entanto, que China e Rússia não parecem tão dispostos assim a frear a Coreia do Norte, o recurso a demonstrações de força norte-americanas, especialmente para garantir a proteção de seus aliados Japão e Coreia do Sul, poderá se tornar uma necessidade.

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Ninguém – com exceção, talvez, do ditador norte-coreano – quer uma guerra nuclear, mas a manutenção de um impasse semelhante à Guerra Fria de outrora (porque a paz, mesmo, parece impossível) exigirá esforços maiores que os que vêm sendo feitos até agora.