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Editorial

Impasses nucleares

 | Saul Loeb/AFP
(Foto: Saul Loeb/AFP)

A segunda reunião de cúpula entre o presidente norte-americano, Donald Trump, e o ditador norte-coreano, Kim Jong-un, ocorrida nesta semana em Hanói, no Vietnã, terminou antes da hora, e sem resultado nenhum. Em entrevista coletiva, Trump afirmou que, apesar da conversa produtiva entre a dupla, o norte-coreano estaria pedindo muito e oferecendo pouco, algo que não estava nos planos dos Estados Unidos. “Às vezes você tem de sair, e este foi apenas um desses momentos”, afirmou o norte-americano. Com isso, as negociações entre os dois países entram em um hiato, e não há previsão de um terceiro encontro – o primeiro havia ocorrido em junho de 2018, em Cingapura.

A Coreia do Norte precisa que os Estados Unidos levantem as sanções econômicas contra a ditadura comunista, que mata seu povo de fome há muito mais tempo que a Venezuela chavista. Já os norte-americanos querem o fim do programa nuclear norte-coreano, que traz instabilidade para todo o continente asiático, especialmente para a Coreia do Sul, tradicional aliada dos EUA. Os Kim jamais abandonaram as esperanças de, um dia, unificar a península sob domínio comunista, efetivamente vencendo a guerra travada no fim dos anos 50 do século passado e nunca encerrada formalmente.

A oferta limitada de Kim tornou o pedido pelo fim de todas as sanções norte-americanas algo desproporcional

Trump chegou a afirmar, antes da reunião de cúpula, que não fazia questão de uma desnuclearização rápida da Coreia do Norte – a prioridade seria o fim dos testes de bombas e mísseis, que Pyongyang já não vinha realizando nos últimos meses. Mesmo com esta concessão norte-americana, Kim não ofereceu quase nada além do acesso internacional a Yongbyon, o principal (mas não o único) complexo nuclear do país, e seu possível fechamento. Outras iniciativas que poderiam dar indícios de uma boa vontade norte-coreana, como a listagem de todas as instalações nucleares e um cronograma para sua desativação, jamais estiveram na mesa. Por mais que Yongbyon não seja insignificante, a oferta limitada do ditador comunista tornou o pedido pelo fim de todas as sanções norte-americanas algo desproporcional; não poderia haver negociação razoável nesses termos.

No fim, sobraram apenas palavreado e salamaleques, incluindo alguns elogios rasgados de Trump a Kim. Ainda que os testes de mísseis continuem suspensos, o programa nuclear norte-coreano continuará avançando, e não é absurdo questionar se a comunidade internacional já não estaria tratando as armas nucleares de Pyongyang como um fato consumado e irreversível. Por essa lógica, a desnuclearização não viria, e qualquer esforço futuro teria o objetivo apenas de dissuadir Kim para que ele não use o arsenal que construiu. Seria uma grande derrota para os esforços internacionais de construir um mundo sem armas de destruição em massa – ou, pelo menos, garantir que elas estejam em mãos de governantes que tenham a quem prestar contas, em vez de ditadores que reinam supremos em seus países, e que não hesitam nem mesmo em eliminar membros da própria família.

Enquanto isso, alguns milhares de quilômetros a oeste de Hanói, duas potências nucleares entraram em uma escalada agressiva. Um ataque terrorista na Caxemira indiana, no meio de fevereiro, levou a Índia a realizar uma missão de bombardeio aéreo contra território paquistanês no dia 26. No dia seguinte, o Paquistão lançou incursões dentro do território controlado pela Índia, e dois aviões indianos que decolaram em perseguição aos jatos paquistaneses acabaram derrubados, com um piloto indiano capturado. A Caxemira, hoje, é dividida por uma “linha de controle”, mas tanto Índia quanto Paquistão reivindicam a área inteira.

O Jaish-e-Mohammed (JeM), grupo paquistanês que reivindicou o ataque terrorista do dia 14, já havia realizado ações similares em grandes cidades indianas anos atrás, e a opinião pública indiana pressionou o primeiro-ministro Narenda Modi, que está em campanha eleitoral, a reagir. Tanto Índia quanto Paquistão dizem não querer que a situação piore, mas acrescentam que estarão prontos para o caso de as relações se deteriorarem. Ambos os países têm, hoje, mísseis que não estavam disponíveis na última vez em que houve conflito armado na Caxemira, e que podem carregar ogivas nucleares.

Nesta quinta-feira, o primeiro-ministro paquistanês, Imran Khan, afirmou que o piloto indiano capturado seria libertado ainda nesta sexta-feira. Se cumprir a promessa, dará um passo para que a situação volte à “calma armada” que marca as relações entre Índia e Paquistão. Mas ainda falta, por parte do governo paquistanês, um compromisso mais forte no combate ao terrorismo, algo mais difícil de conseguir. O JeM tem ligações com a inteligência paquistanesa, e a China, aliada do país, tem bloqueado resoluções contra o grupo no Conselho de Segurança da ONU.

A possível consolidação do programa nuclear norte-coreano e as dificuldades para que Índia e Paquistão resolvam suas diferenças sobre a Caxemira pintam um cenário complicado, em que os esforços genuínos em busca da paz acabarão soterrados sob medidas de mera dissuasão, com pequenas “guerras frias” se espalhando pelo mundo. Mesmo a Guerra Fria original corre risco de retornar, com a decisão norte-americana de abandonar um tratado de restrição a mísseis assinado com a União Soviética em 1987, sob a alegação – verdadeira – de que a Rússia de Vladimir Putin vinha violando o acordo. Olhando para os últimos acontecimentos, não surpreenderia se os especialistas responsáveis pelo “Relógio do Juízo Final”, mantido pela Universidade de Chicago e que estima o perigo de uma destruição nuclear, movessem o ponteiro para menos de dois minutos para meia-noite, um marco perigosamente inédito.

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