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editorial

Impeachment é a aplicação da Constituição

O único aparente êxito deste governo que se esfacela a cada minuto tem sido insuflar os correligionários que lhe sobraram com o discurso da vitimização, em especial com a adjetivação desse processo constitucionalmente previsto como “golpe”. Mas o discurso não resiste aos fatos. A presidente Dilma Rousseff cometeu continuadamente graves crimes de responsabilidade, fundamento jurídico exigido no impeachment, ao atentar contra a Constituição e a diversas disposições de lei – em particular, aos tipos penais de responsabilidade fiscal.

Ao atrasar em vários meses o repasse de valores bilionários à Caixa, ao BNDES e ao FGTS, Dilma criou ilegalmente operações de crédito para o financiamento de políticas públicas, em ofensa ao artigo 36 da Lei de Responsabilidade Fiscal: “É proibida a operação de crédito entre uma instituição financeira estatal e o ente da Federação que a controle, na qualidade de beneficiário do empréstimo”. Dilma violou ainda a Lei dos Crimes de Responsabilidade, praticando conduta proibida pelo art. 10, inciso 9.º: “ordenar ou autorizar, em desacordo com a lei, a realização de operação de crédito com qualquer um dos demais entes da Federação, inclusive suas entidades da administração indireta, ainda que na forma de novação, refinanciamento ou postergação de dívida contraída anteriormente”. A defesa alega mudança de entendimento do TCU, que não teria vedado esse tipo de operação anteriormente. Não há, contudo, defesa consistente a respeito do mérito dessas práticas.

Dilma cometeu continuadamente graves crimes de responsabilidade, fundamento jurídico exigido no impeachment

O TCU aponta ainda omissões de passivos e de transações primárias deficitárias do FGTS, BNDES e Banco do Brasil nas estatísticas fiscais e da dívida pública; ausência de decreto de contingenciamento de R$ 28,5 bilhões e liberação de R$ 10 bilhões quando já ciente, no quarto bimestre, de que a meta fiscal e o superávit não seriam alcançados; e abertura de créditos suplementares de R$ 15 bilhões com comprometimento da meta de resultado primário, que não foi alterada por lei.

Assim agindo, Dilma deixou de registrar de forma correta a dívida líquida da União, manipulando o impacto das dívidas “maquiadas” sobre a meta fiscal, atentando contra o § 1.º do art. 4.º da Lei de Responsabilidade Fiscal: “Integrará o projeto de lei de diretrizes orçamentárias Anexo de Metas Fiscais, em que serão estabelecidas metas anuais, em valores correntes e constantes, relativas a receitas, despesas, resultados nominal e primário e montante da dívida pública, para o exercício a que se referirem e para os dois seguintes”. Com isso, a presidente diretamente incidiu na previsão constitucional de crime de responsabilidade, do artigo 85, VI: “São crimes de responsabilidade os atos do presidente da República que atentem contra a Constituição Federal e, especialmente, contra: (...) VI – a lei orçamentária”. Sua defesa reside na circunstância de que a definição das metas fiscais não é ato pessoal seu, não existindo dolo. Difícil aceitar tal argumento, a não ser que Dilma confessasse absoluto descontrole sobre circunstância essencial da política financeira do país, renunciando ao comando da economia.

No atual mandato, Dilma, reiterando as ilegalidades de 2014, editou decretos não numerados, abrindo créditos suplementares de valores muito elevados, sem autorização, violando o inciso 4.º do artigo 10 da Lei 1.079/50, que proíbe “infringir, patentemente, dispositivo da lei orçamentária”; e o inciso 6.º, que caracteriza o crime em caso de se “ordenar ou autorizar a abertura de crédito em desacordo com os limites estabelecidos pelo Senado Federal, sem fundamento na lei orçamentária”. O argumento de defesa é frágil, pois sustenta apenas que governadores agiram da mesma forma. Isso, é claro, não absolve a presidente.

Dilma não será julgada por sua impopularidade ou incompetência, mas única e exclusivamente pelos seus próprios atos, decidindo se a presidente cometeu os crimes de responsabilidade mencionados, ou seja, se agiu de forma típica (sua conduta configura objetiva e subjetivamente uma norma que define uma infração penal), antijurídica (não havia circunstância de fato ou de direito que justificasse sua ação) e culpável (tinha capacidade de entender a lei e comportar-se de forma distinta). O que chamam de “golpe”, portanto, é a correta responsabilização de um governante por gravíssimas irregularidades, da ordem aproximada de R$ 100 bilhões, com o cumprimento de todos os ritos previstos na Constituição, assegurando-se as garantias processuais da ampla defesa e contraditório.

O processo de impeachment julgará também que futuro terá o país. Não vai ter golpe: vai ter mais democracia, vai ter menos corrupção, vai ter um Brasil melhor.

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