Com a aproximação da votação do impeachment de Dilma Rousseff na Câmara dos Deputados, há uma tendência nítida de acirramento dos ânimos. Já mostramos, em outras ocasiões, que o governo federal não se contenta em tentar comprar o apoio do maior número possível de parlamentares, mas também deixa que “movimentos sociais” adotem uma retórica de ameaça à população, o que contribui para provocar respostas igualmente exaltadas da maioria favorável à queda de Dilma e do PT. Mas, a essa altura, qual é a melhor resposta para as provocações? Subir o tom certamente não é a atitude mais adequada às vésperas de uma votação tão importante para o país.
Isso não significa que concordamos com o discurso que vê “ódio” em qualquer manifestação de indignação por parte de brasileiros cansados da corrupção praticada pelo atual governo. Não compactuamos, de forma alguma, com agressões físicas ou verbais ou tentativas de cercear o direito de ir e vir daqueles que defendem Dilma e o PT. Mas a simples manifestação de discordância em relação ao governo é direito legítimo dos cidadãos. Diante da defesa do indefensável, a indignação é natural.
Que os slogans fiquem para aqueles que só têm como recurso disparar algumas frases prontas diante da falta de explicações
Mas há momento para tudo, e a hora exige duas coisas: uma, que temos ressaltado neste espaço há vários dias, é a combinação entre mobilização popular nas ruas e pressão sobre os parlamentares; a outra é o debate consciente e sereno, calcado na solidez dos argumentos pró-impeachment apresentados com aquela tranquilidade de quem sabe que a razão está do seu lado. Que os slogans fiquem para aqueles que só têm como recurso disparar algumas frases prontas diante da falta de explicações convincentes para as pedaladas, para a instalação de um feirão no Congresso, para a tentativa de blindar investigados oferecendo-lhes ministérios.
Do que o país menos precisa agora é de pessoas dispostas a colocar gasolina na fogueira. O momento é de gerar luz e não calor. E isso também inclui saber a hora de recuar quando necessário. É preciso perceber quando a argumentação, ainda que apresentada de modo sólido e cortês, acaba servindo mais para distanciar as pessoas que para aproximá-las; perceber quando a insistência leva à exasperação ou é motivada pelo desejo de simplesmente se impor ou de ter a última palavra. O país pode não estar dividido como se diz por aí – o que há é uma minoria ao lado do governo diante de uma esmagadora maioria que deseja o fim da era petista no poder e de tudo o que o partido representa –, mas no nível micro há famílias e grupos de amigos machucados pelo tom elevado que a discussão às vezes ganha. Não se trata, obviamente, de suprimir as diferenças de opinião, mas de saber opinar sem desrespeitar os demais e de saber receber a opinião alheia sem desqualificá-la imediatamente como “discurso de ódio”.
Se é verdade que felizmente o brasileiro está falando de política com a frequência com que fala de futebol, e infelizmente está falando de política com a paixão às vezes cega com que fala de futebol, a votação deste domingo poderia ser comparada a um clássico, ou a uma partida importante no caminho para o título, o que gera grande expectativa. Mas ela precisa ser vivida com uma intensidade serena. O futuro do Brasil está em jogo, mas nem isso justifica rasgar o tecido social do país.
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