Um dos casos mais notórios de corrupção da história recente do Paraná corre sério risco de terminar em impunidade. Trata-se do processo criminal contra o deputado estadual Nelson Justus, um dos pivôs do escândalo dos Diários Secretos, exposto em reportagens da Gazeta do Povo e da RPCTV em 2010 e que consistia no uso de uma rede de funcionários fantasmas para desviar recursos públicos. A lentidão processual e o segredo de Justiça formam o conjunto que pode levar o parlamentar a escapar da denúncia apresentada contra ele.
No início de 2015, o Ministério Público Estadual apresentou uma robusta e muito bem fundamentada denúncia contra Justus por formação de quadrilha, peculato, falsidade ideológica e lavagem de dinheiro. Por ser deputado – infelizmente reeleito duas vezes, mesmo depois da divulgação do caso dos Diários Secretos, é preciso dizer –, Justus precisa ter sua denúncia analisada pelo Órgão Especial do Tribunal de Justiça do Paraná, um colegiado formado por 25 desembargadores. Para acelerar a tramitação, o relator, Guilherme Freire Teixeira, chegou a desmembrar a peça, deixando apenas o caso de Justus no TJ, pois os outros 31 denunciados não tinham foro privilegiado.
Enquanto o processo sofre com essas interrupções, o relógio não para – e corre a favor de Justus
Apesar da decisão do relator, a análise da denúncia segue em marcha lentíssima. Manobras processuais sem fim e uma nunca explicada demora de um ano na intimação do advogado de Justus para apresentação de defesa prévia deixaram a ação parada por muito tempo. Quando, finalmente, os desembargadores do Órgão Especial começaram a decidir se Justus se tornaria réu, o ritmo se manteve. Dartagnan Serpa pediu vista do processo em 6 de junho e, já na ocasião, disse que não o devolveria no prazo de 15 dias; prometeu fazê-lo no fim de agosto, mas só agora, em outubro, o Órgão Especial teve a chance de dar sequência ao caso. E, na segunda-feira, foi a vez de José Gomes Aniceto pedir vista.
Enquanto o processo sofre com essas interrupções, o relógio não para – e corre a favor de Justus. O artigo 115 do Código Penal prevê que, no caso de maiores de 70 anos, os prazos de prescrição caem pela metade; o deputado completa essa idade em 13 de junho de 2017, tornando mais próximo o dia em que Justus se veria totalmente livre, sem ter de responder por nenhum dos quatro crimes que, segundo a denúncia do MPE, ele teria cometido.
Como se não bastasse a lentidão, os paranaenses também estão privados de informações sobre os detalhes e o andamento do caso porque a denúncia está sob segredo de Justiça. Ora, a regra geral é que os atos processuais sejam públicos – é de interesse da sociedade que seja assim. A legislação prevê algumas poucas situações em que se aceita o segredo; um exemplo é o Direito de Família, para preservar a intimidade dos envolvidos. No caso de Justus, alega-se a presença, nos autos, do conteúdo da quebra de sigilos bancários e interceptações telefônicas dos investigados. O pedido de segredo de Justiça foi feito ainda durante as investigações, e se justificava à época porque um eventual vazamento poderia levar os investigados a buscar meios de escapar da vigilância. Mas, com essa fase já superada, cessaram as circunstâncias que recomendariam o segredo, passando a valer a regra geral da publicidade, ainda mais quando se trata de um homem público, detentor de mandato eletivo.
Todos esses elementos que envolvem a denúncia contra Nelson Justus ficam ainda mais evidentes quando há a possibilidade de o Órgão Especial do TJ ser reduzido dos atuais 25 membros para um mínimo de 11 integrantes. A Assembleia Legislativa já aprovou a emenda constitucional – apoiada tanto pelo governo estadual quanto pelo próprio TJ, mas criticada por entidades de magistrados e pela OAB – que permite a mudança; agora, cabe aos desembargadores decidir. Não há nada de razoável em transformar o Órgão Especial em uma espécie de “clube restrito” que, se cair em mãos mal-intencionadas, causará um retrocesso de grandes proporções na Justiça Estadual paranaense. Mantê-lo no tamanho atual é uma salvaguarda contra as ações daqueles que prefeririam ver o Judiciário trabalhar não pela sociedade, mas pelos próprios interesses.
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