Recuperação em “V”, em “U” ou em “V da Nike”, como descreveu o ministro Paulo Guedes, com a perna do crescimento não tão íngreme quanto a da queda? Há indicadores econômicos mostrando que o pior do caos deixado pela pandemia pode já ter passado no Brasil, mas ainda há uma série de incertezas rondando os negócios. Muitas delas não dependem do que ocorre no Brasil, embora o país possa e deva se preparar e levar em conta todas as possibilidades. Mas, em outros temas, dar condições mais favoráveis à retomada depende apenas da conjuntura interna.
Entre as circunstâncias sobre as quais não temos controle absoluto, está o desfecho das eleições norte-americanas, com seu efeito sobre os negócios com o Brasil, e a realidade da segunda onda de Covid-19 em alguns países europeus, com a chegada do inverno. No primeiro caso, o governo brasileiro, apesar de sua afinidade maior com Donald Trump, também se prepara para a interlocução em caso de vitória do democrata Joe Biden. Quanto à pandemia, embora o Brasil ainda esteja vivendo a primeira onda de contágio, com números em declínio, a possibilidade de que ainda não haja uma vacina eficaz até meados do ano que vem não pode ficar de fora do radar e tem de ser levada em consideração. Quando a pandemia surgiu, o Brasil pouco aprendeu com o avanço do coronavírus na Europa, onde a situação já tinha se agravado meses antes de a doença chegar com força por aqui; essa omissão não pode se repetir com a segunda onda.
A retomada da economia precisa da retomada do compromisso com o ajuste fiscal
Mas há um aspecto no qual só depende dos brasileiros – mais especificamente, dos que circulam pelos corredores do poder em Brasília – garantir que o país esteja em condições de aproveitar as chances de zerar os prejuízos da pandemia. Dos indicadores que pedem cautela na hora de falar em recuperação, dois deles – a desvalorização do real e a alta da curva de juros futuros – dependem fortemente da percepção a respeito do compromisso brasileiro com o ajuste das contas públicas.
Se no fim de 2019 essa percepção era positiva, com a recente aprovação da reforma da Previdência e o envio ao Congresso de novas reformas, como as PECs Emergencial, dos Fundos e do Pacto Federativo, tudo isso se perdeu em 2020. Não tanto por causa dos gastos extraordinários motivados pela pandemia, até porque eles foram a regra no mundo todo; mas porque não há clareza a respeito do caminho que será trilhado em 2021. As discussões sobre o Renda Cidadã e o orçamento do ano que vem mostram pouca disposição do governo em cortar gastos, a ponto de se buscar um truque orçamentário para tirar do papel um novo programa de transferência de renda. A incerteza sobre o futuro fiscal do Brasil ainda afeta um terceiro indicador que segue preocupando, o do investimento estrangeiro no país.
O respeito ao teto de gastos, no entanto, anda com poucos amigos em Brasília, a ponto de o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), ter afirmado que Paulo Guedes está “quase sozinho” na defesa de uma regra básica para que o Brasil reconquiste a confiança perdida. “A conta chega para quem sinaliza que não vai respeitar o equilíbrio fiscal”, acrescentou o deputado, com razão. A crise de 2015-2016, motivada justamente pelo descontrole do gasto público nos governos petistas, é recente demais para que suas lições tenham sido ignoradas tão rapidamente.
Teto de gastos, reformas administrativa e tributária, um Estado mais enxuto e eficiente são condições para que o Brasil escape mais rapidamente do fosso em que foi jogado pela pandemia. Segundo a ata da mais recente reunião do Copom, divulgada nesta terça-feira, ainda há uma janela de oportunidade para o país antes de uma piora mais forte em outros indicadores, como a inflação, cuja alta recente o Copom ainda enxerga como algo momentâneo, mas que pode se transformar em tendência preocupante se a paralisia e a indecisão continuarem reinando no Executivo e no Legislativo. A retomada da economia precisa da retomada do compromisso com o ajuste fiscal.