O debate sobre a inclusão de alunos com deficiência no ensino regular se tornou, desde já, um dos mais estimulantes do ano de 2010. Muito tem se falado. Muito se tem descoberto. Via de regra, como há informação abundante, é provável que o país esteja caminhando a bom termo na resolução dos impasses entre os aguerridos times dos inclusivos e dos regulares. Sim – caso alguém não saiba, eles estão em pé de guerra.

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Que não se espere, portanto, passes de mágica. Vai ser pedreira. Alterações no sistema de inclusão tendem a abalar a cultura escolar, acostumada a delegar o aluno especial para salas do mesmo nome, com professores idem, em endereços outros, eternizando nosso latiníssimo espírito paternal. Tudo indica que essa terceirização de um problema que pertence a todos os envolvidos com o ensino dá seus últimos suspiros. Daí tanta gente batendo o pé.

Bem ou mal, formou-se uma estrutura em torno da deficiência, e as conquistas do setor podem estar ameaçadas por processos doidivanas, administrados por burocratas que desconhecem o pó de giz. Sim, eles existem. Somos gatos escaldados. Os maiores reclamantes dos rumos do atual debate, não por menos, são os profissionais que trabalham com a clientela educacional à parte. Por outro lado, o professor que atua junto aos regulares está vendo ameaçada sua zona de conforto, se é que se pode usar essa expressão aqui. Incluir vai lhe exigir a corrida atrás de novos conhecimentos e mudanças nos métodos de trabalho. Parece muito para quem já vive aturdido pela burocracia escolar e pelos desafios inclementes do século.

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Em miúdos, o debate sobre a inclusão só irá para frente na hora em que se separar o joio do trigo, neutralizando as causas secretas que movem os debatedores. A medida urge: servirá para descartar certos argumentos que, apesar de sua relevância e ciência, não passam de um freio de mão levantado, ameaçando lançar a discussão nos fundos do arquivo morto.

A Gazeta do Povo publicou, na última terça-feira, matéria em que divulgou pesquisa feita entre os 1.623 professores da rede pública estadual de ensino. O resultado é previsível e se afina com as práticas escolares que conhecemos. Cerca de 75% dos docentes afirmaram não estar preparados para trabalhar com aluno de inclusão. Os mestres querem curso, capacitação e, claro, pactos bem definidos sobre suas obrigações.

Não para aí: mais de 60% reclamaram falta de material didático específico e de que 56% das salas estão muito cheias, o que inviabilizaria um trabalho mais aproximado com alunos já bastante castigados. Ninguém merece uma sala com 60 pupilos, muito menos essa gurizada.

A argumentação é perfeita, mas fica a tentação de dizer que serviu de pretexto para que colocassem à vitrine outras reivindicações – o que não chega a ser um pecado mortal. Todas aquelas máximas sobre a educação no Brasil continuam valendo, como se fossem verdades reveladas no Monte Sinai: professor ganha pouco, trabalha muito, está sujeito à violência, ao cansaço extremo e à incompreensão da sociedade. Difícil imaginar que a maioria, em sã consciência, abraçasse a causa da inclusão, feito um monge ou sacerdote, sem aproveitar a deixa para chorar um pouquinho, logrando algum avanço.

Nas entrelinhas da pesquisa está dito que os educadores sabem de suas obrigações com a inclusão, mas que gritam por uma contrapartida dos governos. É de direito. É legítimo. De toda essa negociação, porém, o que não se pode perder de vista é que a inclusão não só é possível como, a rigor, nem sempre é um bicho de sete cabeças. Sem querer ferir a sensibilidade de ninguém, deve-se lembrar de que cabe aos próprios professores, como caberia a qualquer profissional, capacitar-se para responder à demanda de seu tempo. A passividade do venha a nós o vosso reino não combina com a teoria da proatividade, tão em voga.

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Há exemplos fartos de "inclusão sem dramas." Em outras ocasiões, a reportagem da Gazeta do Povo identificou escolas de Curitiba em que pequenas rampas de cimento, feitas pelo zelador, sem maiores salamaleques, resolveram o problema da acessibilidade, um dos mais apontados na pesquisa. Escalas de alunos acompanhando no recreio coleguinhas com dificuldade de locomoção, idem, são possíveis, não doem, e ajudam a neutralizar outro item preocupante: a discriminação.

Quanto ao preparo docente, inegável: é gênero de primeira necessidade. Mas não é preciso exportar de Marte professores que conheçam Libras, falem aos cegos e estabeleçam pactos com alunos que portam ritmos diferentes. Essa pessoa mora em cada um que um dia decidiu abraçar o magistério e, por isso, responde ao espírito do tempo.

Na rede municipal de ensino, a propósito, já é de lei que sala com alunos incluídos tem de ser menos populosa. Fez-se o corte na lista de chamada e o mundo não parou por causa disso.

Falar em facilidades da inclusão – como se fosse um cursinho de culinária aplicada –, claro, mexe com os humores educacionais, principalmente quando se pensa em deficiências mais delicadas. Mas é tão verdade quanto que os processos de inclusão não precisam ser entendidos como um problema solucionável apenas com a ajuda dos computadores da Nasa.