Quando a única coisa positiva que se pode ressaltar em um orçamento é sua transparência, algo que deveria ser o mais básico dos requisitos em um documento dessa importância, é porque a situação não está nada boa. Mas foi esse o grande mérito do Projeto de Lei do Orçamento Anual de 2016, enviado pelo governo federal ao Congresso, segundo o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, e o vice-presidente Michel Temer. “O que se esperava que o governo fizesse? Que maquiasse números?”, indagou Cardozo, com o cinismo de quem se sabe membro de um Executivo que, ao longo dos anos, se especializou justamente na “criatividade contábil” e nas pedaladas para iludir contribuintes, o mercado e talvez a si próprio.
E talvez nem a transparência se salve no orçamento que prevê para o ano que vem déficit primário de R$ 30 bilhões, pois o número inédito – nunca antes na história deste país um governo enviou ao Congresso uma proposta de lei orçamentária com saldo negativo – parte do pressuposto de que o PIB brasileiro crescerá 0,2% em 2016, uma previsão bem otimista se considerarmos que no boletim Focus, organizado pelo Banco Central, importantes players do mercado financeiro já trabalham com retração de 0,4% no ano que vem. Transparente nem sempre é sinônimo de confiável.
Nunca antes na história deste país um governo enviou uma proposta de lei orçamentária com saldo negativo
E o mercado financeiro já percebeu o tamanho do problema. O Brasil só segura o grau de investimento concedido pelas grandes agências de classificação de risco porque havia alguma expectativa de que o país fizesse o necessário para colocar as contas em ordem em 2016, já que este ano está praticamente perdido. Mas, comentando o orçamento do ano que vem, Shelly Shetty, chefe da agência Fitch para notas soberanas dos países latino-americanos, afirmou em nota a jornalistas que a meta de déficit primário “ressalta a dificuldade enfrentada pelo Brasil em sua consolidação fiscal” e “coloca a tendência de superávits primários bem abaixo do cenário-base usado pela Fitch em abril e explicita os crescentes riscos à trajetória das finanças públicas e da dívida”. Em outras palavras: não era isso que o mercado gostaria de ver por parte do governo brasileiro. O grau de investimento já estava na corda bamba sem meta negativa; agora, sua manutenção se torna ainda mais complicada.
Mas o Palácio do Planalto parece já ter um discurso pronto. Como mostrou reportagem da Gazeta do Povo de terça-feira, dia 1.º, um orçamento que prevê um inédito déficit primário também não deixa de ser uma peça de propaganda; neste caso, o objetivo é amolecer o coração dos malvados parlamentares, que não se cansam de aprovar projetos que reduzem a arrecadação ou bloqueiam a entrada de novas receitas. A ressurreição da CPMF já foi torpedeada até por Michel Temer, a ponto de o governo desistir da ideia (por enquanto), mas ainda há outros impostos ou mudanças de alíquotas no radar do Planalto. Se nada disso prosperar e o Brasil realmente perder o grau de investimento, com todas as consequências que isso traz, Dilma poderá dizer que o governo bem que avisou sobre o déficit, mas o Congresso não colaborou para ajudar o país, colocando a responsabilidade – um jogo que o PT joga com maestria – nas costas dos parlamentares.
E uma conversa dessa até correria o risco de colar se não fosse a notória incapacidade do governo de fazer os cortes de gastos necessários e que poderiam servir de contrapartida para um eventual (e temporário) aumento de impostos. O anúncio de corte de ministérios e comissionados, ainda que bem-vindo, não foi explicado com rigor e muito provavelmente não será suficiente para que a máquina administrativa seja reduzida a níveis aceitáveis. A Constituição Federal, em seu artigo 169, estabelece as medidas que podem (ou devem) ser tomadas para se colocar as despesas nos eixos – muitas delas, é verdade, com um alto custo político, mas que não deveria deter um governante de coragem. Ainda haveria o recurso às privatizações, que, no entanto, soam como palavrão para o governo atual. Sem disposição para cortes, o governo perde qualquer autoridade moral para exigir do Congresso ou dos cidadãos que aguentem sozinhos o fardo do ajuste; se há algo mais transparente que o orçamento 2016 de Dilma Rousseff, é sua incompetência à frente do país.
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