Nos anos 1970, um dos temas mais presentes nos debates políticos e econômicos era a necessidade de o Brasil se industrializar. O significado disso vinha da constatação de que o subdesenvolvimento brasileiro responsável pela baixa renda por habitante e pela pobreza decorria de o país ter focado sua economia na agricultura, com um setor industrial pequeno, atrasado e primário. Na linguagem da contabilidade nacional, a economia é registrada sob três grandes setores: o setor primário (atividades produtivas ligadas às matérias-primas oriundas da agricultura, pecuária, mineral, extração vegetal, florestal e pesca); o setor secundário (indústria de transformação das matérias-primas e recursos naturais em bens e serviços aptos para consumo ou investimento); e o setor terciário (comércio, transporte, armazenagem, movimentação portuária, aeroportos, educação, saúde, lazer, turismo, atividades culturais etc.).
O Brasil era caracterizado como economia focada na produção do setor primário, na exportação de matérias-primas e commodities agrícolas e minerais, e altamente dependente de suprimentos internacionais de produtos de consumo industrializados, máquinas, equipamentos, tecnologias e capitais financeiros. Os motivos que os críticos invocavam para condenar a política econômica adotada pelos governos dos últimos 200 anos, desde que o país declarou sua independência em 1822, era o atraso tecnológico, industrialização pequena e atrasada, baixos salários, baixo valor agregado dos produtos do setor primário e, por isso mesmo, incapacidade de superar a pobreza.
Os termos de trocas internacionais são desvantajosos para um país focado no setor primário, atrasado em termos de parque industrial e importador de produtos feitos com as matérias-primas exportadas por ele, cujo exemplo mais simples é a exportação de minério de ferro a preços baixos comparados com os altos preços pagos na importação de aço feito do próprio minério. Um exemplo atual da insuficiência da indústria de transformação, fácil para a compreensão do problema, é a relação de preço de uma saca de café exportada pelo Brasil com o preço de importação de cápsulas de café prontas para consumo, cuja diferença de preços representa perda para a economia nacional e consequências em termos de baixa geração de emprego, produto, renda e tributos.
O setor industrial sempre foi prejudicado com a precariedade na infraestrutura física, a elevada carga tributária, o ambiente jurídico lento e instável, a legislação trabalhista complicada, a burocracia sufocante e a instabilidade macroeconômica
Assim, o núcleo do debate nos anos 1970 era que o Brasil não houvera conseguido desenvolver um setor industrial robusto capaz de contribuir para o progresso econômico, aumento da renda por habitante, elevação do nível de emprego e maiores salários médios. Um dado sintomático dessa realidade é que, do total da população brasileira em 1970 (94 milhões de habitantes), 46% vivam na zona rural. O êxodo rural que se seguiu após a grande geada em 1975 e prosseguiu nos anos 1980 encontrou um país urbano de economia industrial pequena e atrasada, incapaz de abrigar a multidão de famílias vindas da zona rural, em geral com baixa escolaridade e precária qualificação técnica. Por óbvio, o setor comercial e demais serviços decorrem da robustez ou fragilidade do setor primário e do setor secundário. Sendo estes dois setores pequenos, atrasados em tecnologia e com baixa produtividade, o resultado é pobreza e subdesenvolvimento.
Nesse cenário, fazia sentido que a grande questão da economia brasileira fosse a necessidade de acelerar o desenvolvimento do setor secundário pela criação de um parque industrial nacional moderno e grande o suficiente para atender a população do país, que seguia crescendo. Aos tropeços, o Brasil conseguiu alguma expansão de seu setor secundário; as políticas industriais criaram parques fabris, sobretudo nas cidades acima de 100 mil habitantes. Porém, o acelerado crescimento populacional (214 milhões de habitantes ao fim de 2021) e a rápida evolução da tecnologia dos anos 1990 para cá fizeram que o Brasil chegasse ao fim da segunda década deste século 21 com um setor industrial relativamente pequeno, envelhecido em termos de idade, atrasado em modernização tecnológica e carente de urgente crescimento e modernização, ainda que em alguns poucos segmentos o Brasil esteja em padrões bastante avançados.
Se a industrialização tardia levou o país ao baixo grau de industrialização nos anos 1970 e 1980, dificultou o aumento da renda média nacional e impôs taxas de desemprego altas na maioria dos anos, outro efeito decorreu desse cenário real: o setor industrial brasileiro não teve desenvolvimento tecnológico rápido e nos padrões dos países desenvolvidos, e seguiu com baixa produtividade, de forma que a cada vez que o país tentou abrir sua economia ao exterior, como aconteceu no governo Collor, no início dos anos 1990, houve a revelação de que as empresas industriais brasileiras não conseguiam competir com os concorrentes estrangeiros. Assim, os empresários do setor passaram a demandar medidas protecionistas e subsídios, além de muitas propostas para reduzir a abertura da economia ao exterior. Ainda hoje, a economia brasileira é considerada uma das mais fechadas entre os países desenvolvidos e em desenvolvimento.
De qualquer forma, nos anos 1970 e 1980 houve alguma expansão industrial no Brasil, embora a passos lentos. Na sequência, sobretudo após a abertura ensaiada pelo governo Collor, a grita se concentrou na “desindustrialização”, isto é, temia-se que o Brasil veria fechamento de muitas fábricas, pela incapacidade de competirem no exterior e com produtos importados mais baratos que os fabricados internamente. A desindustrialização, em forma de fechamento de empresas industriais nacionais, acabou ocorrendo em setores específicos, e o mais grave é que o Brasil sofreu o processo de desindustrialização antes de atingir elevado grau de industrialização.
Foi nesse contexto que as empresas industriais começaram a pedir três coisas: baixa taxa de juros, taxa de câmbio desvalorizada (elevado preço do dólar), subsídios tributários e linhas oficiais de crédito para financiamento de bens de capital. Essa mesma discussão está ocorrendo atualmente, tanto que bastou o preço do dólar cair de R$ 5,70 para R$ 4,60 em poucas semanas entre março e abril de 2022 para que surgissem vozes, não poucas, exaltando que o país sufocará o setor industrial exportador e vários setores que, embora não exportem, não conseguirão competir com o produto importado.
É justo reconhecer que o setor industrial sempre foi prejudicado com a precariedade na infraestrutura física (transportes, armazenagem, energia, portos e aeroportos – atividades historicamente dominadas pelo setor estatal), a elevada carga tributária, o ambiente jurídico lento e instável, a legislação trabalhista complicada, a burocracia sufocante e a instabilidade macroeconômica, sobretudo por obra da inflação. Nesse cenário, é lícito exigir dos governantes que, a partir do ano que vem, após as eleições federias e estaduais, o país consiga melhorar sua legislação de investimento estrangeiro e os marcos regulatórios da infraestrutura (incluindo as concessões e as privatizações), bem como a definição da política cambial, da abertura ao exterior e da política de importação de tecnologias.