Pela segunda vez seguida, a inflação oficial fechou um ano acima da meta do Banco Central. O IPCA de 2020 ficou em 4,52%, contra uma meta de 4% – em 2019, a inflação havia sido de 4,31% para uma meta de 4,25%. Nos dois casos, entretanto, o índice se manteve dentro da faixa de tolerância, de 1,5 ponto porcentual a mais ou a menos, ao contrário das épocas de descontrole que marcaram os anos finais da era lulopetista. Mesmo assim, ainda há alguns motivos de preocupação, por mais que a maioria dos economistas considere que a recente aceleração é temporária e deve perder força em 2021.
O ano passado foi atípico em muitos sentidos, e com a inflação não foi diferente. No pré-pandemia, o índice estava dentro do controle nos meses de janeiro e fevereiro. Na sequência, com a recessão mundial causada pela Covid-19, o Brasil chegou a registrar meses de deflação, mas o cenário mudou drasticamente em meados do segundo semestre. A desvalorização do real e a demanda internacional mais forte por alimentos, reduzindo a oferta interna, se juntaram ao auxílio emergencial como os principais fatores envolvidos na elevação súbita dos preços. Em alguns casos, como o do arroz, que subiu 76% no ano passado, ainda há a esperança de que a nova safra normalize os preços.
Por mais que a maioria dos economistas considere que a recente aceleração é temporária, há motivos de preocupação, como o fato de os mais pobres serem atingidos mais duramente, e várias incertezas rondando 2021
Dos nove grandes grupos em que se dividem os itens medidos para o cálculo do IPCA, o maior aumento foi justamente o de Alimentação e bebidas, com alta de 14,09% – em um distante segundo lugar vieram Artigos de residência, com 6%. Isso nos dá uma pista sobre como a inflação atingiu os brasileiros mais vulneráveis, aqueles de baixa renda. O IPCA acaba camuflando um pouco este efeito ao abranger famílias com renda que varia de 1 a 40 salários mínimos, mas o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) destrinchou os números e descobriu que a inflação das famílias mais pobres, com renda de até R$ 900 mensais, foi de 6,22% em 2020. À medida que a renda vai subindo, a inflação vai recuando, até chegar a 2,74% para as famílias que ganham mais de R$ 9 mil por mês. Essa discrepância foi praticamente inexistente em 2019 e nos primeiros meses do ano passado; foi a partir do início da pandemia que houve o descolamento entre as diferentes “inflações” medidas por faixa de renda.
E 2021 começa com muito mais incertezas do que se imaginaria até alguns meses atrás. Novos surtos de Covid-19, alguns deles associados a mutações mais contagiosas (embora não necessariamente mais agressivas) do vírus Sars-CoV-2, estão provocando novas rodadas de lockdowns e medidas restritivas no Brasil e no exterior, algo que só deve recuar definitivamente à medida que houver maior variedade e disponibilidade de vacinas no mercado, já que os processos de imunização mundo afora estão apenas no seu início. O cenário brasileiro é afetado, ainda, pelo fim do auxílio emergencial, a indecisão completa sobre um possível novo programa social que substitua o Bolsa Família, a incerteza sobre o mercado de trabalho e as dúvidas sobre o compromisso do governo com o ajuste fiscal.
Apesar de tantas dúvidas, o mercado ainda aposta em um IPCA abaixo da meta de 2021, na casa dos 3,3%, contra uma meta de 3,75%. Para que a previsão se concretize, será necessária uma feliz confluência de fatores, como o recuo ou o fim da pandemia e bons sinais vindos de Brasília, com a manutenção da responsabilidade fiscal, aprovação das reformas e privatizações, freando a preocupante trajetória da dívida pública. Que os representantes eleitos façam sua parte naquilo que depender deles, e que o Judiciário abandone seu hábito de interferir para impor dificuldades; assim será possível esperar uma inflação sob controle em 2021, beneficiando especialmente os mais pobres, aqueles que foram os grandes prejudicados pela trajetória inflacionária de 2020.
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