Ainda que a inflação de setembro tivesse levado o acumulado de 12 meses a superar o limite máximo de tolerância da meta deste ano, o que não acontecia desde o primeiro trimestre, continuava havendo boas razões para acreditar que o IPCA terminaria 2023 abaixo dos 4,75%, ficando dentro do intervalo considerado aceitável pelo Banco Central pela primeira vez desde 2020. Isso porque os índices mensais de outubro, novembro e dezembro de 2022 foram de 0,59%, 0,41% e 0,62%, respectivamente, e, descontado algum repique inflacionário inesperado, seriam substituídos por avanços menores na inflação neste trimestre final de 2023. Ao menos em outubro, foi o que aconteceu: o IPCA do mês passado foi de 0,24%, e com isso o acumulado de 12 meses baixou para 4,82%, após ter rompido os 5% em setembro.
Alguns fatores de risco não se concretizaram, ao menos até o momento. O conflito entre Israel e Hamas no Oriente Médio já completou um mês, mas não arrastou para a guerra potências regionais e grandes produtores de petróleo como Irã e Arábia Saudita, evitando choques de preços – pelo contrário, o barril tem caído desde que o Hamas lançou seu bárbaro ataque terrorista. A gasolina teve queda de 1,53% em outubro, em parte graças a uma redução de preços anunciada pela Petrobras; etanol e gás veicular também recuaram, enquanto o óleo diesel subiu, também devido a mudanças no preço praticado nas refinarias. O grupo Alimentação e Bebidas voltou a subir depois de quatro meses seguidos de queda, com alta de 0,27%, um comportamento que o IBGE atribuiu a fatores sazonais como variações nas safras e volume de exportações, que têm efeitos na oferta doméstica.
Gasto público fora de controle é sempre inflacionário – mas o petismo continua obcecado em ignorar esta verdade básica da economia
O “vilão” da vez foi o preço das passagens aéreas, um item específico que sempre se caracteriza por grande volatilidade. Ao subirem 23,7%, os bilhetes responderam por 0,14 ponto porcentual do IPCA de outubro, ou seja, mais da metade do índice veio deste único item. André Almeida, gerente do IBGE responsável pela pesquisa de preços, atribuiu o salto ao aumento no custo de operações, já que o querosene de aviação ficou mais caro, e ao crescimento da demanda, com a proximidade das festas de fim de ano e das férias de verão. No fim das contas, chega a ser um alento que a maior parte da inflação de outubro tenha vindo de um único item com características bem peculiares, e não de algum aumento forte e generalizado de preços; a título de comparação, o INPC, outro índice de preços medido pelo IBGE e que se baseia no consumo de famílias de renda mais baixa, avançou apenas 0,12% em outubro.
Por mais que as perspectivas para o fim do ano apontam para um IPCA dentro do limite de tolerância da meta de inflação deste ano, ainda é preciso manter a vigilância sobre os fatores de risco, inclusive os que independem dos atores locais. A manutenção de juros altos nos Estados Unidos, por exemplo, cria dificuldades para cortes mais substanciais na Selic, pois, quanto menor a diferença entre os juros brasileiros e norte-americanos, mais o investidor tenderá a buscar a segurança no dólar, levando a uma desvalorização do real, que por sua vez tem efeito inflacionário no Brasil ao encarecer produtos importados e tornar a exportação mais atrativa, reduzindo a oferta interna de certos produtos.
Um antídoto, ao menos parcial, para este processo seria o fortalecimento da credibilidade fiscal brasileira. Esta, no entanto, anda cambaleante especialmente depois que o presidente Lula desdenhou da meta fiscal proposta pelo próprio governo, e insinuou que não vale a pena nem mesmo tentar um déficit primário zero no ano que vem – um objetivo que todos sabem ser quase impossível de atingir, mas que ainda assim era preciso perseguir. O Copom, na ata de sua última reunião, afirmou que “o esmorecimento no esforço de reformas estruturais e disciplina fiscal, o aumento de crédito direcionado e as incertezas sobre a estabilização da dívida pública têm o potencial de elevar a taxa de juros neutra da economia, com impactos deletérios sobre a potência da política monetária e, consequentemente, sobre o custo de desinflação em termos de atividade”. Gasto público fora de controle é sempre inflacionário – mas o petismo continua obcecado em ignorar esta verdade básica da economia.
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