A última vez que o IPCA acumulado de 12 meses tinha ficado abaixo do limite superior de tolerância da meta de inflação havia sido em fevereiro de 2021: naquele ano, a meta era de 3,75% com 1,5 ponto de tolerância para cima ou para baixo, e o IPCA acumulado do mês era de 5,20%. Desde então, a inflação disparou, recuou, mas não voltou a ficar abaixo do limiar máximo em que o avanço dos preços seria considerado aceitável – até agora. O IPCA de março veio abaixo do esperado, com 0,71%, e trouxe o acumulado de 12 meses para 4,65%, sendo que, neste ano, a meta é de 3,25% e o limite máximo de tolerância é de 4,75%. Este passeio do índice pela região considerada tolerável, no entanto, tem tudo para ser temporário.
O evento mais relevante para a composição do índice foi o retorno da cobrança dos impostos federais sobre a gasolina, que começou a valer no início de março por decisão da equipe econômica. O combustível teve alta de 8,33% em março e o etanol subiu 3,20%, enquanto óleo diesel e gás de cozinha, que seguem desonerados, registraram recuo nos preços. A gasolina, sozinha, respondeu por 0,39 ponto porcentual do IPCA de março, ou seja, mais da metade da inflação do mês veio apenas deste combustível.
O fenômeno inflacionário brasileiro, infelizmente, tem se mostrado mais resiliente do que a retórica petista faz parecer
Uma inflação abaixo do esperado, influenciada em grande parte por uma questão tributária (ou seja, sem choques de oferta ou de demanda), e que trouxe o acumulado de 12 meses para dentro do limite de tolerância de uma meta que o governo já considera draconiana demais é munição para que Lula e seus aliados na opinião pública e na academia voltem a atacar o Banco Central e seu presidente, Roberto Campos Neto. O IPCA de março, argumentam, demonstraria com clareza que a Selic não tem por que ser mantida nos atuais 13,75% ao ano. Este, no entanto, é um raciocínio extremamente simplista e imediatista.
O fenômeno inflacionário brasileiro, infelizmente, tem se mostrado mais resiliente do que a retórica petista faz parecer. Dos nove grandes grupos que compõem o IPCA, oito tiveram elevação em março. A inflação de serviços, no acumulado de 12 meses, ainda está bem acima do índice geral, com 7,63%. E o Copom trabalha observando horizontes bem mais amplos que os próximos meses. É verdade que o 0,71% do IPCA de março substituiu, na janela de 12 meses, uma inflação de 1,62% registrada no mesmo mês de 2022; como a inflação de abril do ano passado ainda foi bem elevada, de 1,06%, é bem possível que o acumulado caia ainda mais quando vier o IPCA deste mês. No entanto, quando o segundo semestre vier, o que sairá da conta do acumulado serão as três deflações seguidas de -0,68%, -0,36% e -0,29% de julho, agosto e setembro de 2022 respectivamente. Com isso, o acumulado de 12 meses tem tudo para voltar a subir e, muito provavelmente, superar o limite de tolerância da meta deste ano. O mercado financeiro, a julgar pelo mais recente boletim Focus, segue estimando um IPCA na casa dos 6% em 2023.
Quem olha o quadro completo, portanto, sabe que a inflação mantém sua força e que o acumulado de 12 meses só caiu porque os índices mais recentes estão substituindo avanços bem maiores ocorridos no ano passado. O aviso do Banco Central nos comunicados e atas de suas últimas reuniões continua tão válido como antes da divulgação dos números de março: as condições para se iniciar um ciclo de queda da Selic dependem muito da retomada do ajuste fiscal e de um arcabouço “sólido e crível” – e, quanto a isso, o plano apresentado pelo governo ainda desperta desconfiança por garantir aumento real de gastos independentemente do desempenho da economia, e persistem as dúvidas quanto a possíveis expectativas irreais de arrecadação e a necessidade de elevação da carga tributária. Se Planalto e Congresso não fizerem sua parte e ainda pretenderem atar as mãos do Banco Central, não há como esperar que o dragão volte sozinho para a jaula.