Reunido em Belo Horizonte para comemorar seu 35.º aniversário, dias atrás, o Partido dos Trabalhadores lançou uma nova resolução política que, por seu conteúdo e expressões usadas, caberia muito bem em distopias como 1984, de George Orwell. O partido – afundado em denúncias investigadas pela Operação Lava Jato e sofrendo derrotas em uma Câmara dos Deputados cujo comando vem tomando atitudes de independência perante o Planalto – recorre, no texto da resolução, a um recurso amplamente usado por regimes ditatoriais e totalitários de todos os matizes ideológicos: a caça a inimigos imaginários, responsáveis por todos os males que acometem o país.
É assim que a denúncia dos descalabros na Petrobras é definida como tentativa de “revogar o regime de partilha no pré-sal, destruir a política de conteúdo nacional e, inclusive, privatizar a empresa”. As investigações da Lava Jato estariam sendo “instrumentalizadas, de forma fraudulenta, por objetivos partidários”, diz a resolução, como se os problemas da Petrobras fossem causados pela oposição ou pela Polícia Federal. Mas o que realmente desmoraliza a estatal petrolífera são as decisões desastrosas de negócios, como a compra da refinaria de Pasadena, a camaradagem ideológica que resultou no acerto informal para a construção da superfaturadíssima Abreu e Lima – com o posterior calote venezuelano – e o represamento forçado do preço da gasolina para não afetar a inflação em ano eleitoral. Sem falar do propinoduto desvendado pela Lava Jato, com seus “pedágios” pagos aos partidos aliados do governo. Ou da omissão de dirigentes que, informados sobre a corrupção dentro da empresa, silenciavam diante da opinião pública, como fez Graça Foster no caso da holandesa SBM Offshore. Se o PT quer encontrar os responsáveis pela situação atual da Petrobras, deveria olhar para si mesmo e para o governo, em vez de responsabilizar quem está trazendo a público a roubalheira.
Não faltou o discurso que procura negar à oposição o direito de fazer seu trabalho. Qualquer contestação ao governo Dilma é vista como “golpismo” de “elites que não conseguem vencer e nem convencer pelas ideias”. São acusações graves que buscam desqualificar quem emite opiniões contrárias às do governo e do PT, quem resiste ao partido no Congresso Nacional e também quem defende a saída da presidente Dilma Rousseff por vias institucionais previstas na Constituição. Em sua intolerância contra qualquer oposição, a cúpula do partido trata todas essas posturas, perfeitamente legítimas e amparadas pela liberdade de expressão, como crimes.
Em um caso incrível de distorção da realidade, a resolução do PT reafirma “a disposição firme e inabalável de apoiar o combate à corrupção”. Como se não tivesse sido exatamente o PT o criador do mensalão, um esquema que pode não ter sido o maior do país considerando-se os valores movimentados – nesta semana o Ministério Público Federal divulgou estimativa segundo a qual o petrolão já equivaleria a 20 mensalões –, mas foi talvez o mais grave, por seu caráter de atentado contra a democracia e a independência entre os poderes da República. E a cúpula do PT continua, prometendo que “qualquer filiado que tiver, de forma comprovada, participado de corrupção deve ser expulso”. É uma prescrição que está no próprio estatuto do partido, mas que foi solenemente rasgada quando os mensaleiros condenados José Dirceu, José Genoino, Delúbio Soares e João Paulo Cunha tiveram garantida a permanência no partido, bem como o carinho de uma militância pronta a saudá-los como “guerreiros do povo brasileiro”. No mesmo encontro que gerou a resolução ora comentada, o atual tesoureiro do PT, João Vaccari Neto, foi aplaudido pelos presentes. Por mais que se deva atribuir-lhe a presunção de inocência, a atitude da cúpula do partido demonstra uma disposição de seguir prestigiando membros envolvidos em grandes esquemas, considerando-os vítimas de perseguições políticas.
Durante o processo do mensalão, uma das opiniões distoantes dentro do partido foi a de Olívio Dutra, ex-governador do Rio Grande do Sul. Ele considerou justas as prisões, rejeitando o discurso de “julgamento político”, recusou-se a contribuir com as vaquinhas para pagar as multas dos mensaleiros e afirmou que o partido deveria aproveitar a ocasião para fazer um exame de consciência. Agora, Dutra defende o afastamento de Vaccari e diz que a leniência do partido é como uma “ferrugem” que “contamina as engrenagens” da legenda. Por mais discutíveis que sejam as opiniões de Dutra sobre outros temas políticos, é louvável seu esforço contra a mentalidade condescendente de um PT que se recusa a ver sua responsabilidade nos escândalos. O partido precisa de outras vozes semelhantes.