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Editorial

Insegurança jurídica, desemprego e pobreza

Sede do STF, em Brasília
Fachada do Supremo Tribunal Federal (STF). (Foto: Marcello Casal Jr/Agência Brasil)

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A primeira variável que define o padrão de bem-estar médio da população é o Produto Interno Bruto (PIB) por habitante. A segunda variável é dada pelo total de pessoas que trabalham e obtêm renda comparado com o total de pessoas que tenham condições de trabalhar e buscam ocupação, o que dá a taxa de desemprego. De forma simplificada, um país é mais ou menos rico, mais ou menos pobre, a depender da renda por habitante e do desemprego. Isso posto, é fácil concluir que o progresso de uma nação depende essencialmente do aumento dos investimentos, da criação de empresas e da expansão dos negócios que resultem em aumento do PIB a taxas superiores ao crescimento da população. Esse é o único meio para haver aumento da renda por habitante e redução do desemprego.

Uma vez que tais aspectos econômicos sejam entendidos por governo e sociedade, a tarefa maior se resume a descobrir quais os fatores determinam aumento dos investimentos, criação de empregos e aumento da produtividade (produção por hora de trabalho), com o objetivo de elevar o nível de emprego e a renda por pessoa. Neste ponto, há consenso mundial que um aspecto fundamental é a “segurança jurídica”, como elemento indutor do progresso material e, por consequência, da melhoria social e redução da pobreza. Sempre que empresários nacionais e estrangeiros são procurados por governos interessados em atrair investimentos para seus países, a primeira condição que afirmam ser requerida para a decisão de investir é a segurança jurídica no local escolhido para construir seus negócios.

Atualmente, as deficiências econômicas, políticas, éticas e legais respondem por um ambiente institucional negativo, que reduz a confiança na segurança jurídica e inibe os investimentos e os negócios

A expressão “segurança jurídica” é ampla e permite interpretações com algumas diferenças entre uma e outra, mas essencialmente significa um conjunto de características presentes no ambiente institucional tais como: estabilidade política, Estado de Direito, liberdade econômica, regras claras e estáveis, estabilidade da moeda, garantia do direito de propriedade, controle dos gastos públicos, Justiça eficaz e economia fundada na livre iniciativa e no mercado livre. No plano teórico, o Brasil professa praticamente todas essas características, a começar pela Constituição Federal, que estabelece normas de economia capitalista, liberdade econômica, garantia dos direitos individuais e democracia política.

Entretanto, na cultura latina há certa distância entre os fundamentos consagrados no texto constitucional e a realidade prática desses mesmos fundamentos, por vezes negando na vida real o que está consignado na lei fundamental. Atualmente, as deficiências econômicas, políticas, éticas e legais respondem por um ambiente institucional negativo, que reduz a confiança na segurança jurídica e inibe os investimentos e os negócios. O efeito da insegurança referida é sempre desestimular a iniciativa empresarial e afugentar os investidores.

Um ambiente geral marcado por instabilidade das leis e do sistema de Justiça, somado a precário funcionamento dos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, provoca crescente falta de confiança, baixo crescimento econômico, desemprego e pobreza. Em maior ou menor grau conforme a circunstância, é isso que vem ocorrendo no Brasil, fazendo que próximo ao fim da primeira metade desta década o país caminhe para passar mais uma década sem elevação da renda por habitante, isto é, mais uma década de estagnação. A percepção das pessoas e dos agentes econômicos, políticos e sociais não é imutável, pelo contrário: a cada decisão de governo e a cada decisão judicial, especialmente as tomadas pelos tribunais superiores, a taxa de confiança se move. No Brasil, tem se movido para baixo, piorando o que já não é bom.

Estabilidade e confiança são dessas coisas que exigem muitos anos para serem conquistadas, mas que podem ser perdidas em pouco tempo e, uma vez perdidas, exigem tempo muito longo para recuperar. Além do mais, a recuperação nunca chega de uma só vez, mesmo porque os agentes políticos e econômicos observam as melhorias com cautela e não tomam decisões de investimentos e negócios ao primeiro sinal de algum avanço positivo. De certa forma, a sabedoria popular ensina que credibilidade é algo que se perde rápido e se recupera muito lentamente.

A cada decisão de governo e a cada decisão judicial, especialmente as tomadas pelos tribunais superiores, a taxa de confiança se move. No Brasil, tem se movido para baixo, piorando o que já não é bom

Nesse cenário, em que o Brasil está metido profundamente, há um ingrediente complicador que agrava as mazelas e a desconfiança. Trata-se da internacionalização da fama de país instável, no qual até mesmo os tribunais superiores funcionam mal, não seguem a Constituição e as leis com o rigor que se espera dos altos escalões da Justiça. Tudo isso contribui para o quadro de anomia social, conceito este criado pelo sociólogo francês Émile Durkheim para caracterizar momentos ou fases em que ocorre a interrupção das regras que regem os indivíduos e a vida coletiva.

A palavra “anomia” vem do grego nomos (norma) acrescido do prefixo de negação “a-”. Num quadro de anomia social, ocorre a perda de função das leis, das normas públicas e da própria Constituição, e é uma situação muito perigosa de consequências imprevisíveis, além das obrigatórias mazelas do desemprego e do aumento da pobreza. No Brasil, infelizmente, os pesos e contrapesos não estão funcionando, pois o parlamento nacional padece de uma concepção estrutural muito malfeita, representada pelo fato de que os agentes encarregados de inibir desvios das cortes de Justiça (deputados e senadores) são eles próprios processados e julgados pelas mesmas cortes. Por óbvio, isso não tem como funcionar, sobretudo em momentos de crise. Essa lógica precisa mudar.

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